Um post no Instagram de Rainer Cadete em que ele chama atenção para um debate sobre LGBTfobia provocou um burburinho no espaço para comentários em seu perfil. Seguidores pontuaram coisas como “Jurava que ele era gay” ou “Ele não é homossexual”. O ator, que simplesmente deixou os questionamentos rolarem, confessa que sempre lhe perguntam afinal o que ele é. A intrigante falta de resposta atiça a curiosidade de quem busca uma palavra. Mas este entendimento pode ser facilitado por um personagem mais do que especial. Já que, nesse aspecto, o artista se sente bem próximo do seu Visky, de “Verdades secretas”, de volta à tela da Globo na terça-feira, e em seguida com uma nova temporada no Globoplay.
— Eu me defino fora da caixinha. Não vejo a sexualidade como algo concreto que você vai colocar em um molde na parede. Ela tem este lugar de nos surpreender de várias maneiras. Acho que existem várias sexualidades e elas fluem, me sinto assim — responde Rainer: — Nomenclaturas e siglas servem muito para conquistar espaços para estes corpos que a sociedade invisibiliza e para lutar por políticas públicas.
A ideia de sexualidade fluida é um dos temas abordados pela trama de Visky na novela, originalmente exibida em 2015. O booker da agência de modelos se dizia um gay convicto, mas ficava surpreso ao acordar na cama ao lado da Lourdeca, secretária da empresa, vivida pela atriz Dida Camero. Seu interesse sexual muda de acordo com cada momento. Na próxima temporada, ainda sem data estipulada para a estreia, o ator antecipa que o personagem já vai estar entendendo isso melhor e vibra com a volta da parceria dessa dupla.
— Como é que é? Visdeca ou Lourdisky? — diverte-se ele, já instigando as torcidas virtuais com a combinação dos nomes, prática que ficou conhecida como shippar.
Prestes a estrear nos cinemas no papel de dois policiais héteros, na ação “Intervenção — É proibido morrer” e na comédia “Virando a mesa”, gravados antes da pandemia, ele já se distanciou do universo da farda, já que o mundo de Visky está distante e o mergulho no personagem é profundo. Além da média de 11 horas diárias de gravações, que começaram em abril deste ano, ele já emagreceu 15 quilos, mudou a dieta e a rotina de exercícios com nutricionista e personal trainer, faz sessões de fonoaudiologia e aulas de dança vogue (um movimento de reafirmação de identidade de gêneros e sexualidade. Originado nas comunidades LGBTQI+, negra, latina e periférica dos Estados Unidos, tem forte influência da moda, inspiração nas passarelas e capas de revistas). Fora isso, Rainer retoca os cabelos azuis, dia sim, dia não, mesmo prazo que tem para se depilar e se barbear. Outra parte da preparação também deu o que falar nas redes recentemente, quando ele apareceu tomando sol totalmente nu, para tirar a marca da sunga. Sinal de que vêm cenas picantes em “Verdades secretas 2”.
— A novela está mais erótica. Essa canetinhas estão mais acentuadas, o que eu acho fantástico. Porque não há nada mais natural e normal que o corpo humano e o sexo. Aceito meu corpo como ele é. Vivemos muitos anos com essa caretice de não mostrar sexo. Todo mundo faz, só que é tabu, no cinema e na TV brasileira. Acho muito bacana mexer com os preconceitos, adoro problematizar e trazer questões saudáveis, para discutirmos de maneira madura — avalia Rainer, que diz não ter dificuldades para as cenas mais quentes: — Faz parte dessa história, é só mais um momento. Acho que as pessoas vão ficar com bastante calor.
Atualmente solteiro, mas tranquilo e bem com o seu momento, o ator de 34 anos avisa ainda que futuros pretendentes não podem também esquentar a cabeça com isso.
— A pessoa que quiser ficar comigo tem que entender que é um combo. Sou um homem, um pai, tenho essa profissão e quero ser minha melhor versão, sem pieguice alguma — conclui.
A beleza da paternidade
Rainer, aliás, descobriu que seria pai ainda muito jovem, com 18 anos. Pietro hoje tem 14 e é fruto de seu relacionamento com a atriz e ex-bailarina do “Domingão do Faustão” Aline Alves. Há três anos, ele mora com o pai, que se divide entre Rio, São Paulo e Brasília, sua cidade natal. O ator reforça que o menino não tinha idade para ver a primeira temporada de “Verdades secretas” e ainda não verá a segunda (“Ele vai poder assistir daqui a pouquinho”). Mas acrescenta que o garoto está acostumado à vida de atores dos pais, e o debate trazido por Visky sobre sexualidade, tão sensível à chegada da adolescência, é tratado por pai e filho em casa.
— Quando eu era adolescente, se falava que a minha geração ia libertar todo mundo e as pessoas seriam mais tranquilas em relação à sexualidade, não iam se importar tanto com o que o outro faz. E olha o que a gente está vivendo agora. Espero que a geração do Pietro seja mais livre em relação a esses estigmas. Mas o que eu faço é a minha parte. Conversamos sempre sobre ele ter a liberdade de ser o que quiser. De não existir a necessidade de usar azul. Meu filho nunca quis pintar a unha, mas, se quiser, eu mesmo vou pintar. Tento falar muito com ele sobre coisas diversas, porque acredito que o conhecimento emancipa as pessoas de algumas armadilhas que a sociedade cria, e isso adoece. Este lugar do patriarcado do macho, branco, cristão e heterossexual, isso já deu. Olha como os homens cometem muito suicídios, a saúde mental masculina é terrível. E o feminicídio também. Homens que se acham no direito de opinar sobre os corpos femininos e de agredir. Temos que repensar muito tudo isso — conclui ele.
O tema da saúde mental é mesmo caro a Rainer, que já estudou quatro anos de Psicologia, passou por Cinema e Artes Visuais na vida acadêmica e agora cursa Artes Cênicas na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras). “Finalmente estou no curso que precisava de coragem para fazer”, avalia. Suas últimas peças tratavam da mente humana. “O diário de um louco”, seu primeiro monólogo, foi feita on-line na pandemia, e “O louco e a camisa”, que era presencial, foi interrompida pelo isolamento social. Ambas tiveram o comando do diretor Elias Andreato. Além disso, há dois anos, Rainer perdeu o pai, Davino Cadete, aos 86 anos, vítima de dengue hemorrágica e que também lutava contra uma depressão.
— Minha família tem outros casos de doenças mentais. Sempre fiquei muito de olho. Temos que prestar atenção na nossa saúde e na de quem a gente ama. Sempre que posso, jogo luz sobre esse tema. O assunto é muito banalizado na nossa sociedade. Me parece que, quando se tem uma dor de garganta ou se machuca o braço, as pessoas entendem muito mais — observa ele.
Homens fortes
Os personagens de seus atuais trabalhos todos são homens fortes de maneiras diferentes. O Caio de “Intervenção”, que estreia ainda em agosto, é um jovem policial que faz parte de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Rio e tem um canal no YouTube em que compartilha as dificuldades do ofício pelo qual é apaixonado. Já o Jonas de “Virando a mesa”, com estreia prevista para 19 de setembro, se infiltra no submundo dos jogos clandestinos. O policial é um mestre do pôquer. Os filmes já deveriam ter estreado, mas, por conta da pandemia, foram adiados para agora.
— Tem tempo que filmamos, vai ser interessante me ver anos depois. Estou com um olhar muito direcionado e viciado para o Visky neste momento. Estou fazendo aula de dança vogue agora, e não de tiro, como naquela época. Mas todos eles têm um pouco de mim. Os personagens brincam de deixar coisas na gente e nos usar, até os loucos têm um pouco de mim — avalia Rainer, que, além dos policiais, fez um chefe de uma facção criminosa no filme “Carcereiros”, em 2019.
A mudança de personagens é um processo para Rainer. Ele lembra de quando teve que se despedir do Visky, num momento em que ainda pensava que não iria reencontrá-lo mais. Na época, teve apenas um mês de férias até voltar como Celso de “Êta mundo bom!”. Neste período, ele decidiu ir aos Estados Unidos.
— Me lembro de fechar os olhos e imaginar o Visky saindo de mim, me dando tchau e um abraço, e eu agradecendo a ele por tudo. Lembro de ter ficado muito emocionado. Na minha cabeça, ele ficou fervendo lá em Nova York, deixei ele lá. Por causa da pandemia, não pude ir buscá-lo. Mas ele pegou um avião e veio me encontrar — imagina o ator, que chegou a ganhar naquele ano o Prêmio Extra de Televisão de Melhor Ator Coadjuvante pelo personagem, que agora terá mais protagonismo e representatividade: — Da primeira vez, eu o dediquei às mulheres, agora eu dedico o Visky a “todes” aqueles que vivem fora da caixinha. A sensação que eu tenho é que ele quer construir uma família, seja ela qual for e de que jeito for. Ele está querendo um amor, a mesma coisa que da outra vez, só que agora com mais intensidade.
Mesmo falando abertamente sobre vários assuntos, o artista diz que tem também as suas muitas verdades secretas, que não conta para absolutamente ninguém, e confessa não ser das melhores pessoas para guardar segredo:
— Sou um pouco boca de sandália (risos). Mas eu também esqueço muito rápido. Então você pode me contar um segredo duas vezes e eu posso me surpreender de novo.
Sonho na música
Uma verdade nem tão secreta assim, mas que agora será totalmente revelada, é o seu lado cantor e compositor. Quando chegou a quarentena, a agenda de Rainer ficou um pouco menos cheia, e ele decidiu colocar em prática planos que já vinham sendo guardados. Agora ele já colhe os frutos. O principal deles é a sua carreira musical, que será lançada em 24 de setembro com o clipe e a música “Esse negócio de ser macho”.
— Fui correndo atrás de sonhos que eu não tinha conseguido ainda realizar. Cantar era um. Estou bem feliz. Antes eu falava em sair da zona de conforto, agora digo expandir a minha zona de conforto. E estou realizando este sonho muito bem acompanhado — avalia ele, que se lançará como dupla ao lado do ator e cantor Renato Luciano, membro do grupo teatral Barca dos Corações Partidos, e que fez sucesso com a música “De toda cor”, que embalava a trama de Ivana/Ivan, papel de Carol Duarte, em “A força do querer”.
Fãs um do outro, os dois artistas começaram a fazer encontros virtuais e as composições iam saindo. Antes, Rainer já havia feito algumas músicas sozinho, mas ainda não tinha escrito em parceria nem gravado suas canções. O resultado agora é o EP “Leves e reflexivas”, com oito canções divididas em duas partes. A parte intitulada de “Leve” terá quatro músicas de amor, encontros e relacionamentos. Já o lado das “Reflexivas” vem com temas que, como o nome diz, são para refletir.
— A primeira fala sobre essa coisa da performance de macho que a sociedade impõe. E de como a gente não se enquadra. Nem eu nem ele. Tem outra também sobre negacionismo e uma de desconstrução. Quero fazer show assim que der — anima-se o ator, que já disse ter visto todas as peças do grupo de Renato no teatro, conhecido pelos musicais com exímios cantores e músicos no elenco, como Alfredo Del-Penho e Beto Lemos.
Na sexualidade ou na carreira, para o filho ou para a sociedade, Rainer deixa de lição que ninguém precisa ser uma coisa só e que as caixinhas foram feitas com tampas, para serem fechadas. Já o ser humano tem olhos para enxergar além daquelas paredes. Se depender dele, vem mais coisa por aí.
— Acredito muito em conseguir colocar minha arte de diversas maneiras. Agora sou ator e vou lançar música? Sim. Multifacetado, interdisciplinar, adoro essas palavras.