Jovens trans relatam dificuldades em estabelecer relacionamentos amorosos

Pessoas cis como perfis ideais de relacionamentos amorosos, exclusão histórica na sociedade e preconceito são apontados como os principais motivos para a falta de relações afetivas às pessoas trans

Foto: Anthony Shkraba
jovens trans





Pessoas trans passam por diversos traumas desde a infância, na adolescência e na vida adulta por não terem oportunidades de trabalho , por serem  economicamente vulneráveis e também encontram dificuldades ao longo da vida para encontrar um parceiro para estabelecer relações amorosas. Diana Almeida, uma mulher trans historiadora, sente na própria pele essa rejeição e acredita que isso acontece por conta do pensamento de uma sociedade que tem somente nas  pessoas cisgêneras  um perfil ideal para se relacionar de forma conjugal. 

"A gente foge deste perfil para se relacionar de forma conjugal. Os homens mais do que as mulheres não querem sair da sua zona de conforto em relacionamentos, ou seja, não querem comprar briga com a família e a sociedade, mesmo quando gostam de alguma pessoa trans", comenta Diana.

Para Raphael Maciel, um homem trans, há também uma dificuldade interna, um desafio que pessoas trans possuem na busca por uma relação amorosa: o medo da reação do parceiro ou da parceira quando contam que são transgêneros. Isso, para ele, dificulta muito qualquer relacionamento que se possa construir.

Já para Mariana Franco, colunista trans do coletivo Catarinas, o fato das pessoas trans serem excluídas e não vistas em todos os âmbitos institucionais da sociedade, faz com que a possibilidade de relacionamento seja mais distante. "Isso é uma realidade desde o Brasil colônia, que se aprofundou na Ditadura Militar, quando pessoas trans só podiam sair de casa durante a noite. Não somos vistas no dia a dia da sociedade", afirma. 

Ela também explica que um homem cis hétero, ao namorar uma mulher trans, não faz dele um homem gay já que uma mulher trans é uma mulher. "O ponto central se dá quando um homem hétero sente a sua masculinidade diminuída por namorar uma pessoa trans”, aposta.

Questionado sobre alguma experiência frustrante em relacionamentos amorosos, Raphael lembra de um relacionamento antigo com uma mulher lésbica que, mesmo sendo um homem trans, ela se denominava lésbica. "Quando terminamos ela falou que só teve um relacionamento comigo porque me via como uma garota mesmo vendo toda a minha luta”, lamenta.

Já Diana comenta que namorou com um homem por mais de um ano e que, aparentemente, tinha uma relação normal até descobrir que não seria apresentada para a família dele. "Eu namorei mais de um ano uma pessoa, que a gente tinha uma relação normal, ele conheceu minha família, mas nossa relação terminou quando eu perguntei se ele não iria me apresentar para família dele e a resposta foi não”, diz. 

Ambos relembram outras experiências que não chegaram a uma relação amorosa por conta do desinteresse de seus parceiros em estabelecer uma relação afetiva, assumida em público, sólida e séria. "Muitos homens aceitam sair comigo às escondidas, me procuram para relações sexuais, mas jamais com interesse em me assumir”, relata Diana. 

Diana conta que existem dois tipos de transfobia: aquela descarada e a internalizada. A primeira enquadra-se na pessoa que tem nojo e vê uma pessoa trans somente como feitiche, a usando como objeto sexual. Já a transfobia mais internalizada acontece quando há atração, mas se o interessado percebe que é por uma pessoa trans, perde o interesse. 


Abandonados pela sociedade

Em 2017, mais de 84% dos acessos realizados no Brasil no site PornHub, eram de conteúdos com buscas aos termos transexuais, travestis e shemale. No período da pandemia, em 2020, o acesso do conteúdo pornô trans alcançou 98% no Brasil. No mesmo ano, um relatório divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), em média, uma pessoa trans foi morta a cada 48 horas no país.  

Portanto, há uma contradição explícita: o Brasil é um dos países que mais acessa conteúdo pornô trans e que mais mata essas mesmas pessoas. Para Mariana Franco, o assassinato de mulheres trans acontece pela masculinidade colocada "em risco" dos homens héteros, que sentem atração por elas. "A maioria das formas de assassinatos de pessoas trans se dá na banheira dos motéis, após relações sexuais, ou por atropelamentos, quando eles encontram mulheres trans nas ruas", explica.

De acordo com a Articulação Nacional de Transgêneros (Antra), cerca de 90% dos transexuais e travestis vivem da prostituição. Isso acontece, muitas vezes, pela falta de apoio da família e de uma rede de acolhimento às pessoas trans na sociedade. 

Para Mariana Franco a grande maioria de travestis e transexuais, por volta dos 14 aos 17 anos, quando se identifica como uma pessoa trans e começa a externalizar a sua identidade de gênero, é "convidada" a se retirar de seus lares e das famílias. Essa é uma das grandes causas de morte de travestis e transexuais no Brasil, o país que mais assassina pessoas trans no mundo, onde a expectativa de vida é de 27 anos.

A colunista aponta também que a falta de afetividade às pessoas trans também se dá nas relações de amizades. "Muitos têm vergonha de sair em público com uma pessoa trans, para não ser identificado como uma, ou para as demais pessoas não julgarem que este esteja se relacionando afetivamente ou financeiramente com uma pessoa trans. Por isso, o índice de depressão e ansiedade entre pessoas trans é alto”, finaliza. 

Sexo biológico e gênero

A quebra da associação entre sexo biológico e gênero é apontado como um dos caminhos para a conquista do amor e afeto às pessoas trans. Normalmente, gêneros são associados com o sexo biológico de um ser humano, o que causa a invisibilização, por exemplo, de pessoas trans.

Para Diana é preciso desconstruir esta relação entre sexo biológico e gênero, que começa desde o útero quando se cria uma expectativa com relação ao sexo da criança. “Logo depois da estimativa, as famílias já se programam com roupas com cores destinadas, brinquedos sexistas… é preciso pensar em um mundo mais amplo para além destes estereótipos dados como naturais”, explica. 

Raphael ressalta que homens não são homens por nascerem com pênis e mulheres não são mulheres por nascerem com vaginas. “Nós somos quem somos, pois sentimos isso dentro de nós”, pontua ele.

Mariana complementa que o direito ao amor e ao afeto às pessoas trans só será conquistado quando elas forem incluídas nos espaços institucionais ou educacionais como as universidades, mercado de trabalho, entre outros. "Infelizmente, pessoas trans não são vistas como pessoas dignas para estarem na sociedade, precisamos dar dignidade a elas em todos os âmbitos”, arremata.