Após dar à luz uma menina no estado de Minas Gerais no início de abril, Rodrigo Bryan da Silva
saiu do hospital e voltou para casa com a sua mulher, Ellen Carine Martins da Silva Maciel. Juntos, eles estão vivendo o sonho de serem pais biológicos, mesmo vivendo como pessoas trans
. Os primeiros dias, eles contam, estão sendo agitados, com diversas adaptações e cuidados, mas, principalmente, com muito carinho e amor pela filha Izabella Victória, que tem 22 dias de vida.
Registrada em cartório com mãe e pai trans, de forma a respeitar as identidades de gênero dos dois – Ellen é a mãe e Rodrigo o pai também nos documentos – Izabella chegou ao mundo virando tudo de cabeça para baixo. Já nos primeiros dias, mudou totalmente a rotina da família.
“Está sendo bastante difícil porque temos que nos adaptar à rotina da casa a ela. Trocamos o dia pela noite. É um pouco diferente do que a gente imaginou, mas, ao mesmo tempo, tem sido bem bacana poder ficar com ela esse tempo e curtir”, afirma Ellen. “Somos pais de primeira viagem, então a gente morre de medo de deixar ela no berço sozinha, estamos sempre conferindo. A gente reveza: eu costumo ficar de noite até o início da madrugada, ele pega do meio da madrugada até parte da manhã. A gente divide bastante as tarefas”, completa a mãe da menina.
Como Rodrigo já havia feito a cirurgia de retirada das mamas, antes da gravidez, ele não pode produzir leite e amamentar. Por isso, com o aconselhamento de um pediatra, o casal conversou e escolheu a melhor maneira para eles alimentarem a recém-nascida.
“É possível que eu, mesmo sendo uma mulher trans, amamente minha filha, fazendo todo um tratamento, mas nós conversamos e achamos muito burocrático esse tratamento. O Rodrigo não tinha como amamentar porque já havia retirado os seios. Por tudo isso, a gente decidiu amamentar a Izabella com leite artificial de fórmula. Foi conversado com um pediatra e nós acatamos que vamos dar o leite a ela durante um ano. A partir do sexto mês já vamos poder dar papinhas especiais para recém-nascidos. Por enquanto, ela toma o leite na mamadeira, com a qual se adaptou superbem, não teve nenhum problema em relação a isso”, conta Ellen.
Com 22 dois dias de nascida, Izabella se alimenta a cada três horas e já está ganhando peso. Os pais dizem que ela vem se desenvolvendo bem e acreditam que, na próxima consulta com o pediatra, a terceira da vida da menina, já haverá alguma indicação para mudança na alimentação, espaçando mais o tempo entre uma mamadeira e outra.
Para engravidarem, tanto Ellen quanto Rodrigo precisaram parar de tomar hormônios, ela femininos e ele masculinos, que é comum no processo transexualizador
. Até hoje, mesmo sentindo falta em características físicas, não retomaram as medicações: sonham em ter mais filhos e já estão se planejando para isso.
“Eu sinto muita falta. O crescimento dos pelos e outras pequenas características físicas que mudam incomodam. Mas, mesmo sabendo que já é possível voltar a tomar meus hormônios femininos, decidi não voltar, porque pensamos em ter outros filhos”, afirma Ellen.
“Por causa da gestação, quando meu hormônio feminino ficou em alta, eu vi que algumas características minhas começaram a mudar, não são muitos visíveis, mas para mim são perceptíveis. Então senti falta também, mas não vou retomar os hormônios masculinos enquanto Izabella for recém-nascida”, diz o Rodrigo.
O pai é filho adotado e não teve muito contato com os irmãos, já Ellen é filha única e sempre quis uma família maior. Ela conta que os dois não querem que a filha passe pela solidão que já sentiram na infância. "No próximo filho, não será nada diferente do que está sendo. Tudo com bastante cuidado, sem que falte nada, com bastante atenção e, principalmente, com a companhia da Izabella”, declara a mãe da menina.
Nos primeiros dias do puerpério, os pais de Izabella já precisaram levar a menina em duas consultas médicas de rotina, como para fazer o teste do pezinho, situação na qual foram surpreendidos pela falta de tato de alguns profissionais que insistiram em tratar Rodrigo como mãe e não como pai.
“Fomos bem recebidos, de forma geral, mas, mesmo os documentos apresentando que eu, Ellen, sou a mãe, nós fomos questionados sobre isso. Queriam colocar o nome do Rodrigo como mãe. Chamamos a supervisora e ela deixou bem claro que não, que era para ser preenchido como está na Declaração de Nascido Vivo (DNV), na qual eu, mulher trans, sou a mãe e o Rodrigo o pai”, conta.
Ao ser questionado sobre futuras possibilidade de transfobia e discriminações que podem enfrentar na maternidade e paternidade da filha, o casal afirma que vai lutar para garantir que todos os seus direitos sejam respeitados.
“Eu creio que não vai ter problema nenhum em entrar em um banheiro com a minha filha, para usar um trocador por exemplo, até mesmo porque eu uso banheiros femininos e não nunca sou questionada por isso. E se tiver algum problema, nós estamos dispostos a brigar pelos nossos direitos”, afirma Ellen.
Referência no norte de Minas Gerais pela gestação e família que formaram, os dois atuam como representantes estaduais da Aliança Nacional LGBTI+ e dizem considerar muito importante que as pessoas da comunidade possam se inspirar em histórias felizes como a deles.
“A gente vem expondo a gestação para levar informação, principalmente para toda ‘galera’ LGBTQIA+, para que não deixe seus sonhos se apagarem por medo do que a sociedade vai pensar. A gente serve como referência”, finaliza a mãe de Izabella.
Relembre a história do casal
Rodrigo Bryan da Silva, deu à luz a Izabella Victória no dia 6 de abril no Hospital Universitário Clemente Faria, em Montes Claros, Minas Gerais. A mãe da menina é Ellen Carine Martins da Silva Maciel. Tanto o pai quanto a mãe são pessoas trans. O bebê, que nasceu saudável e pesando 3,1 kg.
A mãe da menina, acompanhou o parto e esteve ao lado do marido em todos os momentos de contração. Eles chegaram ao hospital às 10h30 da segunda-feira, 5, quando Rodrigo entrou em trabalho de parto. O casal foi pego de surpresa já que a previsão era a de que a menina nascesse apenas no dia 12. Após sete horas, Izabella Victória nasceu com 3,110 kg e 50 centímetros. Após cortar o cordão umbilical, a menina foi levada aos braços da mãe pela primeira vez.
O contato com a mãe foi um decisão tomada em conjunto pelo casal, já que é comum que, ao nascer, a criança seja colocada próxima a ela. Até cortar o cordão umbilical, ela ficou no peito do pai. O casal disse que tudo parecia mágica, de tão emocionados que ficaram.
Sonho de ser mãe e pai
Rodrigo e Ellen iniciaram um relacionamento há um ano e cinco meses, após se conhecerem pela internet. Ele morava em Piracicaba (SP) e foi viver o grande amor no Norte de Minas Gerais. Juntos, descobriram que tinham o mesmo sonho: ter filhos.
Rodrigo engravidou de forma natural após sete meses de tentativas. Para isso, o casal precisou parar de tomar os hormônios, comum no processo de readequação de gênero.
Presentes e doações
Quando o casal confirmou a gravidez, criou uma página no Instagram e um canal no YouTube para mostrar todos os momentos da gestação trans, compartilhando informações. Mas, com isso, ganhou muitos seguidores e, após o nascimento de Izabella, muitos presentes para ela.
Berço rosa, cômoda, bonecas e muitas roupinhas. Tudo o que colocaram em um espaço no quarto do casal, adaptado para a pequena, foi dado a eles de presente por seguidores de todo o país.
As doações vieram em boa hora, já que Rodrigo e Ellen ficaram desempregados durante a pandemia. A renda dos dois passou a vir totalmente do trabalho com as redes sociais. Somente a página do Instagram já chegou a mais de 100 mil seguidores.
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