Biden e LGBTs: “Sejamos otimistas, mas com o pé no chão”, diz cientista político

Democrata toma posse nesta quarta-feira, 20, com a promessa de favorecer minorias nos primeiros 100 dias de governo

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Bandeira em favor da eleição de Joe Biden com o nome dele nas cores do arco-iris foi utilizada por americanos em 2020

Eleito presidente dos  Estados Unidos em 2020, o democrata Joseph Biden, 78, toma posse nesta quarta-feira, 20, junto de sua vice, Kamala Harris, 56, primeira mulher negra a assumir o cargo. Com uma campanha eleitoral baseada na diminuição do conservadorismo do presidente Donald Trump, Biden e Harris expressaram apoio a várias minorias sociais. 

Durante a campanha eleitoral, o site oficial de Joe Biden anunciava “presidente para todos os americanos”. No mesmo site, havia uma aba exclusiva para receber apoio e doações de pessoas LGBTQIA+. “Unidos pelo orgulho”, diz o título de uma imagem com o desenho de duas mulheres, uma negra de cabelo cor-de-rosa e uma branca segurando a bandeira da causa trans.

“Joe Biden acredita que todo ser humano deve ser tratado com respeito e dignidade e poder viver sem medo, não importa quem seja ou a quem ame”, dizia o site.

Biden foi vice-presidente de Barack Obama, de 2009 a 2016. Entre suas propostas de campanha, em 2020, prometeu retomar as conquistas da população LGBTQIA+ obtidas naqueles anos. “Durante a administração Obama-Biden, os Estados Unidos deram passos históricos em direção à igualdade LGBTQ+, desde a revogação de "Don’t Ask, Don’t Tell” [política que forçava pessoas LGBTQIA+ membros das forças armadas a permanecerem no armário] à declaração histórica de Biden em apoio à igualdade no casamento”, destaca o site da campanha. Na ocasião, Biden afirmou: "Estou absolutamente confortável com o fato de que homens casem com homens, mulheres com mulheres, com os mesmo direitos de homens e mulheres heterossexuais, com todos os direitos e liberdades civis. Francamente, não vejo muita diferença além disso".

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Imagem utilizada no site oficial da campanha de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos

O cientista político Egerton Neto, da Aliança Nacional LGBTI+, no entando, diz que é preciso ter cuidado ao alimentar esperanças de grandes transformações para a comunidade, pois, segundo ele, o conservadorismo permanecerá forte nos Estados Unidos nos próximos anos, mesmo com a derrota de Trump.

“Quando Biden toma posse, não haverá uma virada de chave e, de repente, o governo americano se torna livre, colorido e inclusivo. Com maioria na câmara e no senado, Biden terá espaço para implementar a agenda dele, de modo geral. É um cenário favorável para avanços nos direitos dos LGBTQIA+. Sejamos otimistas, mas com o pé no chão, porque os republicanos [conservadores] continuam dominando a suprema corte americana e vão exercer pressão no senado”, afirma o cientista político.

Ele explica que a suprema corte americana é um “campo de batalha” importante para os de direitos das minorias. “No governo do presidente Barack Obama, foi tomada lá uma das decisões mais importantes e históricas para a populção LGBT: a permissão para o casamento igualitário. E a herança do governo Trump para Biden são seis conservadores e três progressistas na corte. Isso pode ser uma barreira para o avanço de legislações e ações governamentais nos próximos anos”, diz Egerton.

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Joseph Biden, 46º presidente eleito dos Estados, toma posse nesta quarta-feira, 20




Primeiros 100 dias

Entre as promessas de campanha, Biden declarou que nos primeiros 100 dias de governo aprovaria uma importante lei em prol da população LGBTQIA+, a Equality Act. O projeto visa alterar a Lei dos Direitos Civis de 1964, deixando explícita a criminalização da discriminação por identidade de gênero e orientação sexual.

“Aqui no Brasil, temos um artigo da Constituição Federal que proíbe a discriminação com base em raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Esse artigo não fala explicitamente em orientação sexual, mas, por decisão judicial da Suprema Corte Brasileira, isso foi expandido. Aqui, a criminalização da LGBTfobia expandiu o conceito de discriminação racial. Mas isso é uma questão de interpretação jurídica, não está codificado na lei. Nos Estados Unidos, esse projeto de lei que Biden se comprometeu a aprovar é justamente a alteração da lei para constar, de forma explícita, a proibição da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Essa seria uma ação interna muito importante que poderia reverberar em todo o mundo”, afirma Egerton Neto.

Apesar da maioria conservadora na Suprema Corte Americana, o novo presidente tem poder para fazer algumas escolhas e tomar decisões sozinho, como selecionar pessoas para cargos específicos ou revogar decretos do ex-presidente Donald Trump.

“No governo Trump, houve ações muito claras para retirada de direitos, principalmente da comunidade trans, que foi muito perseguida nos últimos quatro anos. Um aspecto marcante disso foi a política de restrição da entrada dessa população nas forças militares”, relembra o cientista político. Para ele, um forte aceno que Biden pode fazer para a comunidade LGBTQIA+ é revogar essa medida.

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A vice-presidente, Kamala Harris, na Parada do Orgulho de São Francisco, em 2019, usando as cores da bandeira LGBTQIA+.

Até o momento, Joe Biden vem demonstrando apoio às minorias sociais colocando mulheres, negros, o primeiro gay assumido, Pete Buttigieg, e a primeira mulher trans, Rachel Levine , por exemplo, em cargos do alto escalão do governo.

Política internacional

De acordo com o cientista político, apesar da importância mercadológica e política dos Estados Unidos em todo o mundo, a influência de avanços na causa LGBTQIA+ em outros países não deve passar por negociações financeiras.

“Essa ideia de que a crista da onda do conservadorismo está ficando para trás, com a saída de Trump, pode influenciar o mundo. Está reverberando em países da América Latina e pode chegar ao Brasil. Mas é difícil imaginar que o governo Biden vá fazer ações de política externa em prol dos LGBTQIA+. Dificilmente, eles vão pressionar outros governos especificamente por isso. É muito raro acontecer sanções políticas e econômicas pelas pautas de costumes. É mais fácil pela pauta ambiental, por exemplo, que é bem mais sensível para Biden”, afirma Egerton.

Para pensar sobre as perspectivas de futuro da população LGBT, de acordo com o cientista, podemos nos ater, também, a outros campos, além da política internacional, como a economia. Em toda a Europa, nos Estados Unidos e aqui no Brasil, as empresas têm assumido, cada vez mais, um papel político mais liberal e a favor direitos dos LGBTQIA+.

“Isso é algo muito importante no contexto capitalista. Por motivos mercadológicos ou não, as empresas entenderam que precisam seguir essa onda mais jovem, igualitária, acolhedora e inclusiva. Esse é um sinal importante, que não vem da política institucional, mas que não podemos separar e ignorar quando pensamos no futuro.”