Gloria Groove
tem 25 anos. Gloria, cantora e drag queen
, é, também, Daniel Garcia, dublador. Gloria é jovem, mas já é uma das drag queens mais importantes e conhecidas do país. Em 2020, ela estampou a capa da “Vogue Brasil”, junto com com Pabllo Vittar
, Bianca DellaFancy e Halessia; lançou "Deve ser Horrível Dormir sem Mim", música parceria com Manu Gavassi
; apresentou o reality show da Netflix "Nasce Uma Rainha" e lançou o EP " Affair
" -- e cada faixa tem um videoclipe
.
Em entrevista ao iG Queer, Gloria atendeu ao telefonema da reportagem e respondeu, logo no início, que não faz questão de ser tratada pelo feminino ou pelo masculino : "Amor, você pode me chamar de ela, ele, maravilhosa, linda, lindo…"
Quando tinha quatro anos, Daniel escutava a mãe, a cantora Gina Garcia — que, desde os anos 90, é backing vocal do grupo "Raça Negra" —, ensaiando uma música de Mariah Carey, “Hero”, para uma de suas apresentações. De ouvir, aprendeu a canção em inglês. "Em todo lugar que eu chegava, todos queriam ver o garotinho que cantava uma das músicas mais difíceis da Mariah. Eu nem pensava duas vezes."
A voz virou ferramenta de trabalho desde os 9 anos. Mas, primeiro, fazendo dublagem, como o Rico de “Hannah Montana”, Mikey Kudo, de “Digimon” e Chase, da “Patrulha Canina”.
Apesar de dar a vida a diversos personagens, Gloria não sabia ainda qual era a própria voz. "Eu queria me fazer entender e me expressar, mas não sabia por onde. Não sabia como fazer sucesso sendo um menino gay. Achava que tinha que me esconder para fazer sucesso. Apesar de cantar desde sempre e ter uma voz legal, nunca tinha me explorado como artista. Meus amigos falavam: ‘Cadê seu CD? Cadê suas músicas?’, e eu não tinha".
Quando fez 14 anos, a vida era dividida entre ir para a escola e passar as tardes no estúdio de filmagem. “Tinha certeza de que seria dublador para o resto da vida. Dublador é aquela figura enigmática, que ninguém sabe qual é a cara, mas todo mundo conhece a voz. Até que eu me interessei por teatro musical. Pensei: vou me dividir entre dublagem e teatro, é o que eu quero fazer, mas tudo isso porque eu não tinha confiança no meu [talento] artístico na música”
A diva da diva
Com o teatro musical, Daniel foi descobrindo uma nova carreira. “No teatro, eu era super amarradão nessas coisas. Eu e minha mãe íamos juntos ver musicais. Antes de ser a Gloria, eu amava imitar. Minha mãe percebia que eu conseguia interpretar, que eu era uma tela em branco. Então essa coisa drag foi se abrindo no teatro. A Gloria foi chegando aos poucos, não foi um choque.”
A mãe teve um papel muito importante na vida da rapper. Gloria Groove considera que Gina foi sua primeira diva, sua primeira inspiração do que é ser uma drag queen. “Tenho muitas divas, mas a primeira é minha mãe, que é maravilhosa: mulher, cantora, mãe solo, que me criou, passando por várias barras, e nunca deixou o brilho que ela tem no palco sumir. Acho que eu já via uma coisa meio drag nela, porque ela era minha mãe que me levava para a escola, que me acordava de manhã, mas, quando ia cantar, se transformava: ela era um acontecimento.”
Quando estava perto de fazer 18 anos, Daniel começou a se montar. “Eu já dublava desde criança, ajudava em casa, inclusive. E foi o dinheiro do Daniel dublador que sustentou a Gloria no começo.”
Quando a Gloria Groove começou a dar seus primeiros passos, a confiança que faltava em Daniel começou a vir à tona, apesar das ressalvas de alguns amigos. "Isso é até curioso, mas eu sentia mais resistência dos meus amigos artistas do que da própria família. As coisas estão mudando, graças a trabalhos como o meu, da Pabllo e de outras drags. Antes, quando eu falava sobre drag, via uma expressão de: ‘cara, você canta bem, por que você faz isso?’, como se cantar fosse algo maravilhoso e divino, mas drag, não. Como se ser drag fosse uma perda de tempo. Hoje, consigo provar que isso não é verdade.”
Daniel diz que Gloria sempre esteve lá, “escondidinha", e, quando surgiu, tudo passou a fazer sentido. “Quando a Gloria Groove apareceu na minha vida, ela não trouxe apenas a reafirmação de imagem e estética, que também abraça toda essa parte da vida, que são os traumas de ter sido um menino afeminado que escutava: ‘ai é a bichinha da sala, da família’. A vida toda as pessoas fazem você acreditar que é só isso, querendo que você não brilhe. E, aí, chega a drag e te faz brilhar. A drag pega seu lado escuro e tira você de lá. Comecei a me sentir muito melhor comigo. A Gloria me fez mais confiante, seguro e sexy.”
O 'Affair' de Gloria Groove
Gloria diz que sua maior realização, em 2020, foi o lançamento do EP “Affair". Com uma musicalidade voltada para o R&B. Gloria já gostava com o gênero há algum tempo. Em 2018, lançou o single “Apaga a Luz”, que foi muito bem recebido pelos fãs.
“Tem músicas de dois anos atrás e outras mais recentes, feitas durante a pandemia. O projeto voltado para o R&B era um sonho em comum com meus fãs, que já conheciam esse meu lado. Eu não tinha nada a esconder. Sempre amei esse estilo. Um dia, estava em casa pensei: ‘Por que não?’. Posso dizer que a decisão de investir nessa fase veio como um grande ‘por que não?’. O planejamento artístico teve que ser todo mudado, eu queria fazer algo que me deixasse feliz, que trouxesse um afago para as pessoas, um amor.”
Apesar de ter prometido para ela mesma e para sua equipe que não faria mais nenhuma loucura, Gloria começou a saga de juntar as cinco composições ("A Tua Voz", "Vício", "Sinal", "Suplicar" e "Radar") para serem um projeto, também, visual. “É muito desafiador filmar na pandemia. Não é à toa que a linguagem dos vídeos é minimalista. Quis que tivéssemos a maior segurança possível. Gravamos no susto, em pouquíssimo tempo.”
O EP fala sobre as fases do amor, como se fosse uma história que passasse por envolvimento, paixão, desilusão, esperança e, por fim, a superação. “Montei a ordem do que achei que seria uma boa viagem.”
O "Affair" é sobre sua relação com ela mesma, diz Gloria. Nos clipes, ela aparece de duas maneiras: montada e desmontada. “Fazia todo o sentido aparecer como Daniel, também. O maior affair que existe, a maior tensão, meu maior relacionamento amoroso é esse: Daniel e Gloria, um casamento entre pessoa e persona.”
Segundo Gloria, a série da Netflix, ‘Nasce uma Rainha’, tem a missão de mostrar que ser drag queen não é fácil, e sempre está atrelada a uma transformação muito pessoal. “É difícil se encontrar em um mundo de aparências, onde o tempo todo vão tentar te dizer o que você é. Mas é o que está dentro de você, sua essência, o que você é de verdade, é o que fará você brilhar. Se tem uma coisa que eu aprendi com a Gloria foi isso: aquilo que eu tanto buscava em mim estava lá esse tempo todo.”