Exclusivo

Max Petterson sobre cangaceiro não binárie em série: 'Quer ser livre'

Natural de Farias Brito (CE), o ator viralizou na internet com seus vídeos bem humorados sobre a cidade de Paris, onde viveu por oito anos

Foto: Divulgação
Max Petterson como Amaro na série da Netflix 'O Cangaceiro do Futuro'

Amaro é uma personagem interpretada pelo ator Max Petterson na série nacional “O Cangaceiro do Futuro”, da Netflix. Elu é filho do coronel Tibúrcio (Fábio Lago), uma das figuras mais importantes da cidade de Catingueiras, na Paraíba, lugar onde se passa a trama de humor que conta a história de Virguley (Edmilson Filho), um motoboy que vive em São Paulo e sonha em voltar rico para o Nordeste.

Entre seus bicos, o protagonista aproveita-se de sua semelhança com Lampião para fazer shows em praças públicas na capital paulista. Certo dia, após entrar em mais uma confusão, Virguley vai parar em 1927, no meio do cangaço, onde é confundido pela população local como o verdadeiro Lampião.

Amaro, que vive no cangaço na época em que o protagonista é “transportado”, tem sua história contada na série a partir da perspectiva de uma pessoa não-binária  vivendo no interior da Paraíba no início do século 20.

Sua trama se desenrola quando ele entra para o bando ''alternativo'' de cangaço de Virguley, junto com outros excluídos da sociedade daquela época. Ao longo da série, Amaro se transforma em Amare, e cangaceire e pessoa queer, incompreendida na época, mas respeitade pelos demais do bando de Virguley.


O iG Queer conversou com o ator Max Petterson, de 28 anos, que dá vida ao personagem. Ele afirma que teve dificuldade de entender Amare no começo e que a personagem surgiu no decorrer das gravações.

“Foi superdesafiador porque eu tinha acabado de fazer o Eri, no filme 'Bem-vindo a Quixeramobim', que era um personagem gay que também vivia na mesma região na qual gravamos a série ['O Cangaceiro do Futuro']. Quando eu li o roteiro e vi o Amaro, eu tive muita dificuldade de entender quem ele era”, afirma Max.

“Ele era filho do coronel, ele era gay, mas ao mesmo tempo isso não estava claro. O Amaro tinha um mistério que eu demorei um pouco para desvendar. Ele realmente surgiu no meio das gravações, quando eu fui entendendo o personagem e a dinâmica dele com a família”, acrescenta.


Construção não binária do personagem


O ator explica que no roteiro estava explícito que o personagem seria uma pessoa LGBT+, “mas não da forma como ele surgiu durante as gravações”.

“Foi uma construção de toda a equipe. Chegamos à conclusão de que as questões do Amaro não eram se ele era gay, afeminado , ou se queria ser uma mulher. A questão é que ele vivia num mundo de extremo machismo . Entendemos que o momento em que ele tentava ser outra pessoa era quando ele queria ser homem, no sentido másculo, do homem idealizado como o pai dele era”, explica o artista que conta que quando entendeu esse recorte da personalidade do personagem, conseguiu compreender Amare melhor.

“Quando comecei a entender isso, fiquei me perguntando se o Amaro, quando ele não performava essa masculinidade forçada, se ele era feminino. Foi aí que eu entendi que não era essa a questão. A questão é que ele não era masculino como o pai dele queria que ele fosse. E o resto era mais fluido, era mais livre. Ele não precisava forçar”, diz.


“É difícil tentar ser touro, quando se é rufião”


Em determinado episódio da série, Amaro declara: “É difícil tentar ser touro, quando se é rufião”. A frase tem relação com as expectativas de que ele tenha mais masculinidade, a partir do que é considerado masculino socialmente naquela época (o touro), com a forma como ele se sente, que destoa deste imaginário sobre o papel masculino na sociedade, fazendo uma analogia ao termo rufião que, dentre seus inúmeros significados, é atribuído a animais machos castrados, e portanto “menos viris”.

Para Max, Amaro representa a nova forma de abordar diversidade no audiovisual brasileira, especialmente na comédia, que por muitos anos foi pautada por clichês e estereótipos que hoje em dia não são mais aceitáveis.

“Eu acho que a missão mais importante [da nova geração que trabalha no audiovisual] é quebrarmos os clichês, e eles estão em todos os estereótipos, tanto na comunidade LGBTQIAP+, quanto nas pessoas heterossexuais. Crescemos assistindo formas de fazer comédia que não são mais aplicadas hoje em dia e acho que, na comédia, o personagem gay caricato não funciona mais”, afirma o ator.

“Em nenhum momento da série você vê algum personagem falando que o Amaro é gay, não há nenhuma cena que ela dá em cima de outro homem, especialmente do Rufino [Dudu Azevedo], só porque ele é bonito”, acrescenta Max, que afirma que o personagem foi construído fora de estereótipos que são comuns em personagens LGBT+. “O Amaro é só o Amaro, ele quer ser livre e dentro dessa liberdade dele, ele não se compara a ninguém”.


Bôcu Bonjour


Natural de Farias Brito, no interior do Ceará, o ator saiu de sua cidade natal em 2014, com o objetivo de concluir a graduação de teatro na Universidade de Paris-VIII.

Max passou oito anos na cidade luz e, usando o YouTube, apresentou a cidade para os brasileiros por meio do seu olhar, o que fez com que seus vídeos se tornassem virais. Na plataforma, ele já soma mais de 530 mil seguidores, e no Instagram, mais de 1 milhão.

Suas experiências em Paris se transformaram em um espetáculo: "Bôcu Bonjour". O artista conta que a ideia surgiu em 2019, quando ele recebeu um convite para abrir uma apresentação de Whindersson Nunes na França: “Foi a primeira semente deste espetáculo porque eu entendi que poderia criar algo para mim, como ator, comediante e humorista”. 

A peça trata das vivências de Max desde sua estadia em Cariri, no Ceará, até suas experiências na Europa. A obra já foi apresentada em São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE), Cariri (CE), Recife (PE), Mossoró (RN) e Crato (CE), entre o segundo semestre de 2022 e janeiro de 2023.

No dia 5 de março, o ator apresenta o espetáculo no Cassino Estoril, em Lisboa (PT). O stand-up comedy volta ao Brasil em abril e maio: 8/4 e 9/4, em Fortaleza (CE); 15/4 e 16/4, em Teresina (PI); 23/4, em Natal (RN); 12/5, em Campina Grande (PB); 14/5, em Recife (PE); e 26/5, em São Luís (MA).



Relação das redes sociais com ofício ator

Max é um dos atores que soube utilizar bem o poder das redes sociais para divulgar seu trabalho, e ele acredita que a internet é "muito benéfica" para que atores consigam mais visibilidade.

“Eu acho que nos dias de hoje a internet é muito benéfica porque ela é uma vitrine para muita gente. Pessoas como Whindersson Nunes, que vivia no interior do Piauí, e como eu, que vivi no interior do Ceará, se dependêssemos apenas de uma chance dada por uma emissora de TV, nossos talentos não seriam descobertos, assim como muitos outros”, afirma.

Contudo, ao mesmo tempo, ele acredita que o tamanho das redes sociais de atores se tornou um problema na profissão, uma vez que artistas talentosos acabam perdendo espaço.

“No audiovisual, eu já observei que existe uma certa cota para atores influenciadores. É como se todo filme hoje, ou toda série, tivesse que ter um influenciador famoso para atrair público. Eu entendo que é pelo lado do mercado, porque realmente precisa ter uma garantia de dinheiro“, diz o ator, que na sequência, faz a crítica.

“Ao mesmo tempo eu acredito que seja uma falta de respeito com os atores porque muitos têm um talento gigantesco, com formação acadêmica, mas que perdem papéis porque têm poucos seguidores. Isso é muito complicado”, finaliza.


Agora você pode acompanhar o iG Queer também no Telegram!  Clique aqui para entrar no grupo. Siga também o  perfil geral do Portal iG.