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União estável ou casamento civil? Especialistas explicam a diferença

Casais contam experiências de união estável e afirmam que casamento civil é uma evolução natural para a relação

Foto: Lareised Leneseur/Unsplash
A União Estável garante alguns direitos ao casal, mas fica em desvantagem em comparação ao casamento civil, entenda

O Supremo Tribunal Federal (STJ) reconheceu no dia 5 de maio de 2011 os relacionamentos homoafetivos como entidade familiar e concedeu o direito à união estável às pessoas do mesmo sexo, assim como todos os seus direitos reconhecidos por lei.

A união estável é caracterizada por uma relação afetiva entre duas pessoas, de convivência pública, contínua e duradoura, não existindo um prazo mínimo de duração determinado para que a união de um casal possa ser considerada estável, tampouco há a necessidade de que o casal viva junto na mesma casa ou mantenha qualquer documento de registro oficial (com algumas exceções).

Embora as características sejam semelhantes a de um “namoro comum”, a união estável é um instituto previsto na Legislação Brasileira, tendo como objetivo imediato constituir família e acarretam em diversos direitos e deveres perante à justiça.

Ao iG Queer , as advogadas Bianca Lemos e Débora Ghelman, especialistas em Direito de Família, esclarecem que a união estável é uma das formas de família previstas na Constituição Federal, possuindo consequências jurídicas patrimoniais e extrapatrimoniais.

Enquanto esse tipo de união requer que diversos requisitos mínimos sejam atendidos – convivência pública, contínua e duradoura -, o namoro comum não os possui, e não traz os mesmos direitos e deveres.

“A principal diferença do namoro para a união estável é que, no primeiro, o objetivo de constituir família é futuro ao passo que no segundo é imediato. E o namoro não possui nenhum efeito jurídico quando do seu término”, analisam as advogadas.

Como a união estável é configurada?

“A união estável é uma situação de fato e isso significa que, por mais que não haja documentos físicos de um matrimônio, não quer dizer que aquela união não exista, já que há diversas formas de prová-la”, afirmam as advogadas.

Muitos casais brasileiros se mantêm em união estável, mesmo que esta não tenha sido formalizada perante o Cartório de Notas, ou seja, são informais. “A maioria das uniões estáveis no Brasil são informais”, dizem as advogadas.

Bianca e Débora explicam que, para que a união seja formalizada oficialmente (por meio de escritura pública ou instrumento particular), e uma das partes não esteja em acordo, a outra parte poderá entrar com uma ação judicial de reconhecimento de união estável perante juízo de família.

O biomédico Clark Anderson está junto do companheiro, David Ramos, há 16 anos e eles vivem uma relação de união estável desde 2011. Para ele, era o "registro civil mais apropriado que havia na época" e, para fins legais, cabia no que eles buscavam como um casal.

Clark afirma que pretendem realizar a conversão da união para o casamento civil, mas “adiamos um pouco devido a problemas pessoais”, explica ao iG Queer.

Os direitos em uma união estável são os mesmo de um casamento civil?

Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Clark Anderson Silva Rosa (à direita), e o companheiro David Ramos

As especialistas afirmam que os direitos adquiridos com a união estável são os mesmos adquiridos em um casamento no regime de comunhão parcial de bens, tais como: inclusão em plano de saúde, pensão alimentícia, adoção (em consentimento de ambos), entre outros.

“Dessa forma, tudo o que o casal construir ou adquirir após o início da união estável será dividido em caso de separação. Porém, o casal pode optar por outro regime de bens na união estável, como, por exemplo, pela separação convencional, mas, para isso, é necessário compor um contrato de convivência registrado em cartório”, pontuam.

Neste caso, não haverá partilha de bens, mas ainda poderá haver direito a pensão alimentícia, dependendo do caso concreto.

“Porém, no caso de uma eventual separação, se não houver registro oficial da união estável, as partes terão que entrar judicialmente para fazer o reconhecimento da união perante o juízo. Apenas após o reconhecimento da união estável perante o juízo é que os direitos após a dissolução poderão ser reclamados”, complementam as especialistas.

O influencer Benjamin Cano está com o marido, Louis Planès, há 22 anos e conta que a decisão de evoluir a união estável para o casamento civil veio em maio de 2013, quando o então presidente da França, François Hollande, votou o casamento para todos.

“Como estávamos morando no Brasil, nos casamos no consulado francês no Rio de Janeiro”, conta Benjamin ao iG Queer.

A decisão pela troca, segundo o influenciador, foi para que pudessem ter “os mesmos direitos que qualquer outro casal”.

“Para nos sentirmos ‘iguais’ e, para mim, foi muito importante, para concretizar todos esses anos juntos com o casamento”, disse Benjamin, que ressaltou nunca ter passado por problemas burocráticos em relação ao casamento e acredita que os direitos são os mesmos que os de um casal heteroafetivo.

Assim como Benjamin, Clark afirma que não passou por grandes problemas, mas que a união estável trouxe burocracias que o casamento civil teria evitado.

“Na verdade, tivemos poucos contratempos em relação a isso, pelo menos em nossa cidade, eu fui dependente do convênio médico do David, mas teve uma situação estressante, quem é casado no civil só precisa apresentar documento de comprovação de dependência uma vez, eu com a União Estável, tinha que apresentar todo o ano.”

Além dos contratempos, Clark aponta outras dificuldades encontradas em uma união estável. “O contrato de união garante alguns direitos, porém, o casamento abraça bem mais direitos e facilidades em eventuais situações, como separação ou óbito.”

A união estável informal além do casal

Foto: Divulgação/Alan Chaves
Benjamin Cano Planès (à direita) e o marido Louis Planès

Ainda que os acordos entre o casal, diante de comunhão ou separação de bens, sejam válidos entre si, o mesmo não se pode dizer no que se trata de terceiros. Conforme uma recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça (Resp. 1.988.228/PR), a união estável não produz efeitos perante terceiros quando não há registro público.

“No caso de uma união estável com contrato particular indicando a separação convencional de bens sem o devido registro no cartório competente, o STJ entendeu que a validade do mesmo não atinge terceiros, uma vez que não há publicidade do ato”, dizem as especialistas.

“Normalmente esses terceiros são eventuais credores que não sabem que o regime de bens do casal é a separação total, o qual determina que a dívida de um não comunica os bens da outra parte. Todavia, em relação às partes que assinaram o contrato de convivência, o referido documento possui validade jurídica, tendo em vista o princípio da transparência e boa-fé contratual, devendo ser aplicadas as regras da separação total de bens em caso de uma eventual dissolução da união estável, como, por exemplo, a impossibilidade de partilhar os bens adquiridos durante a união estável.”

Por isso, é essencial o registro oficial da união estável, indicando o regime de bens que irá reger a união, para que o casal tenha segurança jurídica. Se este registro não for feito, o artigo 1.725 do Código Civil prevê que o regime que irá reger aquela união, para terceiros, será o da comunhão parcial de bens.

Dessa forma, todos os bens adquiridos pelo casal, exceto doados e herdados, serão considerados bem comuns e poderão ser penhorados em caso de dívida.

União estável com registro em cartório e casamento civil, qual é a diferença?

“O casamento é um ato civil e formal, que precisa ser formalizado perante cartório. A união estável não é um ato formal, mas sim uma situação de fato, que pode ou não ser formalizada. Porém, segundo o STJ, por meio do Resp 1.988.228/PR, para que esta união estável produza os mesmos efeitos de um casamento perante terceiros, é necessário que ela seja devidamente registrada”, ressaltam as especialistas.

“Além disso, talvez a diferença mais notada entre os dois institutos é que o casamento civil altera seu estado civil para ‘casado’, enquanto a união estável não modifica o estado civil de nenhum dos indivíduos daquela união.”

Vantagens e desvantagens de uma união estável

“Eu diria que a união estável é um primeiro passo, que funciona por um tempo com o casal”, diz Clark, que acredita que a “evolução para o casamento seria um passo eficaz e lógico”.

“A vantagem é como você utiliza a união, eu sou bem prático, e tanto a união quanto o casamento civil, servem para assegurar alguns direitos ao casal”, afirma. "Como temos casos sérios de algumas famílias que não aceitam uma relação fora da heteronormatividade, é um meio de assegurar o mínimo, mesmo sabendo que o drama numa separação ou óbito é bem mais complicado do que para um casal heteronormativo".

Para o biomédico, a desvantagem na união estável é que “para todo bem conquistado pelo casal, deve ser feito um contrato a parte de sociedade, para assegurar duplamente a posse deste bem pelos dois”, o que no casamento civil se torna algo automático, de acordo com o acordo de comunhão ou separação de bens escolhido pelo casal.

O que dizem as leis?

Ainda que a união civil não seja garantida, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determina que seja proibida a recusa de tabeliões e juízes ao registro do casamento civil homoafetivo e a conversão de União Estável em civil.

“A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre união homoafetiva é reconhecida como patrimônio documental. Na decisão, proferida em 2011 no julgamento conjunto da ADI 4277 e da ADPF 132, o Plenário, por unanimidade, reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, sujeita às mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva”, explicam as advogadas. “Esta decisão possui o mesmo efeito da lei, complementando-a.”

  • Código Civil (lei 10.406/2002)
  • Projeto de lei (PLS 612/2011)

O mesmo ocorre para a resolução do CNJ, Nº 175 de 14/05/2013, que dispôs três artigos:

  • Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
  • Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.
  • Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

“Ou seja, com esta resolução, surge a obrigação da aceitação de registro e celebração do casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento entre casais homoafetivos. Tanto a decisão do STF, quanto a resolução do CNJ possuem efeito de lei, ou seja, que precisam ser seguidas. Se a decisão do judiciário, ou do cartório, for contrário a estes textos, é possível recorrer”, afirmam as especialistas, que garantem: “As chances de vitória são grandes.”

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