HIV: estudo sobre nova PrEP injetável recruta voluntários LGBTs

O PURPOSE 2, estudo de fase 3, duplo-cego e randomizado, investiga a eficácia do Lenacapavir, uma PrEP injetável subcutânea de aplicação semestral

Foto: Pexels/Montagem iG Queer
Os estudos sobre a Lenacapavir, uma PrEP injetável de aplicação a cada seis meses, estão na fase três.


A Casa da Pesquisa (Centro de Pesquisa Clínica), que faz parte do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids Santa Cruz, do Estado de São Paulo (CRT/SP), está recrutando voluntários da comunidade LGBTQIAP+ para um novo estudo internacional chamado PURPOSE2 , que tem como objetivo comprovar a eficácia e segurança do Lenacapavir, uma nova modalidade de profilaxia pré-exposição (PrEP) ao HIV, de aplicação subcutânea a cada seis meses.

A PrEP é a medicação utilizada por quem deseja se previnir do contágio ao vírus do HIV antes de uma possível exposição, ou seja, a pessoa faz uso da PrEP quando tem uma vida sexual ativa de forma não monogâmica. Há também a modalidade de PrEP sob demanda, que é mais indicada para quem tem atividade sexual de forma esporádica e mais previsível.

A pesquisa incluirá cerca de 3 mil voluntários e os países participantes são a África do Sul, o Peru, os Estados Unidos e o Brasil. O CRT/SP recruta 92 pessoas e as inscrições podem ser realizadas  neste link.

“As pessoas que desejam participar do projeto precisam ter o interesse principal de colaborar com a ciência porque se trata de um estudo clínico. Fazemos a triagem considerando nosso perfil alvo para assegurar os resultados”, explica Vinicíus Francisco, o coordenador de Educação Comunitária da Casa da Pesquisa.

O perfil procurado pelo estudo clínico inclui pessoas da comunidade LGBT+ e, em especial, que fazem sexo anal de forma receptiva, os chamados passivos. A lista completa é a seguinte:

• Homens cisgêneros que praticam sexo na modalidade “passivo” com homens cisgêneros e/ou pessoas transgêneros que tenham pênis;

• Pessoas transgêneros que fazem sexo na modalidade “passivo” com homens cisgêneros e/ou pessoas transgêneros que tenham pênis;

• Idade a partir de 18 anos sem limite máximo;

• Não ter realizado teste de HIV nos últimos 3 meses;

• Não ter utilizado PrEP nos últimos 3 meses.

José Valdez Madruga, médico infectologista da Casa da Pesquisa, que participa do estudo clínico, explica porque os indíviduos que praticam sexo passivo são o alvo do PURPOSE2.

“O ‘passivo’, como popularmente é chamado, tem mais chance de se infectar com o vírus do HIV do que o insertivo (o ‘ativo’), porque o primeiro recebe o esperma dentro do reto, o que produz um cenário de exposição ao vírus muito maior”, explica o especialista, que complementa informando que o "ativo" não recebe nenhum material dentro de si, mas sim “apenas na parte exterior, que seria a pele do pênis - o que produz uma chance muito menor de infecção”.

“O receptivo, caso faça sexo com um insertivo infectado, irá receber o vírus na muscosa retal, que absorve muito mais vírus do que a pele”, diz o médico.

PrEP injetável: Lenacapavir x Cabotegravir


O estudo tem como foco entender a capacidade de eficácia do Lenacapavir, mas este medicamento não é o primeiro injetável autorizado para ser utilizado como PrEP. Há uma outra medicação, já aprovada, chamada  Cabotegravir, que é aplicada de dois em dois meses.

“O Cabotegravir inibe uma segunda etapa da multiplicação do vírus do HIV no corpo humano. A aplicação é por injeção via intramuscular profunda, aplicada nos glúteos, a cada dois meses. Esta medicação para PrEP já foi aprovada pelo Food and Drug Administration (FDA) [órgão do governo norte-americano que controla drogas e alimentos] e pela Agência Europeia. No Brasil já foi submetido à Anvisa, mas ainda não saiu a aprovação”, afirma o médico.

No país, quem deseja utilizar a PrEP tem acesso ao Truvada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O PURPOSE2 irá comparar o Truvada com o Lenacapavir - a nova PrEP injetável que, diferente do Cabotegravir, terá aplicação subcutânea na região do abdômen, de seis em seis meses.

Madruga explica que nos estudos do Cabotegravir, cerca de 2% dos voluntários desistiram porque sentiram dores no local de aplicação. Dessa forma, o PURPOSE2, que envolve o Truvada e o Lenacapavir, visa trazer mais opções ao mercado e às pessoas que desejam utilizar a medicação para se prevenir à exposição ao HIV. 

Estudo de fase 3, duplo-cego e randomizado

As pessoas que se voluntariarem e forem aprovadas para participarem do PURPOSE2 tomaram as duas medicações: o Truvada - medicação diária de PrEP que já é oferecido pelo SUS; e o Lenacapavir - a PrEP injetável semestralmente foco do estudo clínico, que está em sua terceira fase.

“Chamamos de estudo duplo cego porque nem os investigadores envolvidos na pesquisa, e nem os voluntários saberão qual medicação está sendo utilizada. Esse método visa garantir a imparcialidade do estudo para que nem os investigadores e nem os voluntários interfiram nos resultados, escolhendo uma medicação específica”, explica o infectologista que ainda informa que cada voluntário receberá a versão ativa de um medicamento e o placebo do outro.

“Quem toma ativo do Truvada, irá tomar o placebo do Lenacapavir, e vice-versa, ou seja, quem toma ativo do Lenacapavir, irá tomar o placebo do Truvada. O placebo é uma substância que tem as mesmas características físicas da medicação original, mas não as mesmas substâncias. A característica ‘randomizado’ do estudo indica esta situação, que não serão os envolvidos na pesquisa que decidirão as medicações, mas sim um sistema automatizado de computação”, afirma.

A participação do voluntário no estudo

Foto: Divulgação
As bandeiras do orgulho trans e LGBTQIAP+.

O coordenador de Educação Comunitária da Casa da Pesquisa explica que todos os voluntários que se inscreverem no projeto passarão por uma triagem de avaliação, que envolve uma equipe multidisciplinar que vai avaliar se o indivíduo de fato se encaixa no público alvo da pesquisa.

“Após a inscrição, selecionamos os perfis que mais se encaixam e entramos em contato. Em uma primeira conversa, buscamos entender se a pessoa compreendeu a finalidade do estudo clínico. Depois ela é convidada a comparecer à Casa da Pesquisa para iniciarmos de fato a triagem oficial em um consultório médico, de forma sigilosa, com uma equipe multidisciplinar”, afirma Vinícius Francisco.

A primeira etapa consiste na consulta com um médico infectologista, que irá repassar todas as informações sobre o estudo. “Este profissional precisa garantir que a pessoa entendeu 100% das informações”, diz Francisco. Além do médico, o voluntário também passará por uma equipe de psicólogos e outra de aconselhamento.

A última etapa é a parte da educação comunitária, com uma equipe diversa composta por pessoas LGBTQIAP+ que busca dar apoio aos voluntários em suas necessidades e tirar mais dúvidas que possam surgir durante a participação no estudo clínico.

“Além de todas essas conversas, após a pessoa ser aprovada para participar do projeto, ela assina um termo de adesão ao estudo clínico e depois faz exames específicos para de fato começar a tomar a medicação. Os exames são teste rápido para HIV, exame de sífilis, hepatites, hemograma completo, entre outros”, afirma o coordenador.

Francisco explica ainda que após os resultados dos exames, e se forem favoráveis, o voluntário começa a tomar as medicações, e o estudo tem em média uma duração entre três e quatro anos. O coordenador reforça a importância da participação da comunidade queer nestes tipos de ensaios, que visam cuidar da saúde, em especial, LGBTQIAP+.

“Se hoje temos a PrEP é porque muitas pessoas da comunidade LGBT+ participaram de estudos clínicos como o PROPOSE2. Só conseguimos ter uma droga aprovada se houver a participação da sociedade e, neste caso, especialmente, das pessoas queer. É muito importante”, finaliza.


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