Desinformação e falta de respostas impactam acesso de trans ao esporte

A série “TRANSformando o Esporte”, do iG Queer, monta um panorama geral que indica defasagens, demandas e como debate de inclusão está construído até o momento

Foto: ig
Série do iG Queer debate a inclusão de atletas trans no cenário esportivo nacional

Entre os dias 6 e 10 de junho, o iG Queer veicula a série de reportagens " TRANSformando o Esporte ", abordando a inclusão de pessoas trans em diversos âmbitos da prática esportiva, seja nos níveis profissionais ou amadores. O assunto tramita pela sociedade por águas turbulentas e nebulosas e é cercado de muitas dúvidas, mitos e desinformações que atrasam a inclusão plena e com equidade da população transgênero nessa área. 

No entanto, a generalização do debate é repleta de conceitos biológicos equivocados ou mesmo tentativas de institucionalização da exclusão de pessoas trans no esporte, o que prejudica os avanços dessa pauta. O cenário não só dificulta a relação entre pessoas trans e prática esportiva, mas também repele esses indivíduos, já que esses espaços podem perpetuar diversas violências ou evocar a sensação de não pertencimento.

Entre os principais argumentos utilizados para validar a exclusão de pessoas trans no esporte está em uma suposta “vantagem biológica”, principalmente no caso de mulheres trans atletas, ou o “desejo de vantagem” atrelado aos homens trans (grupo que é invisibilizado e visto como indiferente neste debate). Conceitos como memória muscular (condição em que o corpo se lembra de determinados movimentos mesmo após um longo período de tempo), transfobia e a desvalidação da transgeneridade também são citadas para promover mobilização contrária a essa inclusão.

Esses posicionamentos transpassam para o âmbito político, que atualmente busca impedir que atletas trans façam parte do cenário esportivo em competições de alto rendimento. De acordo com um levantamento feito pela agência Lupa em junho de 2021, desde 2019 foram registrados sete projetos de lei (PLs) com o intuito de barrar a participação de pessoas trans em disputas na Câmara dos Deputados. No âmbito estadual, pelo menos 13 proposições tramitaram em 11 estados.

O primeiro desses sete PLs foi apresentado em 10 de abril de 2019 pelo deputado Pastor Sargento Isidório (Avante-BA), e é o que conta com a linguagem mais agressiva. No documento, ele se refere às mulheres trans como “homens transvestidos ou fantasiados de mulher” e classifica a transgeneridade como uma “distorção ou deformidade psicológica” – vale lembrar que em 2018 a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a transexualidade da lista de transtornos mentais. 

“É sabido que homem e mulher, sexos criados por Deus, têm compleições físicas diferentes, haja vista que além do aparelho reprodutor, a altura, os músculos, o tônus muscular, a capacidade de força é muito maior para o homem do que para a mulher”, escreveu o deputado.

Os demais projetos possuem tom mais ameno, mas igualmente excludente. São os casos do PL 2.596/2019, que fala em “assegurar a igualdade entre forças” e nega a “intenção preconceituosa contra os transgêneros”; o PL 2.639/2019, que questiona as “injustas vantagens comparativas” de atletas trans, porém “sem qualquer juízo de valor acerca das opções da vida privada”; e o PL 3.396/2020, de autoria da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que por sua vez, aponta que caso a sociedade continue ignorando o que chama de “tirania do politicamente correto”, em breve “teremos seleções femininas compostas basicamente por transexuais”. 

Por outro lado, tem existido um movimento contrário, que pede por demandas que garantam o acesso da população trans ao esporte, bem como a realização de estudos e pesquisas capazes de comparar o desempenho esportivo de pessoas cisgênero (ou seja, de uma pessoa em congruência com o gênero atribuído no nascimento) e transgênero. 

Uma das demonstrações mais relevantes relacionadas à participação trans nos esportes está no número recorde de participantes trans nas Olimpíadas de Tóquio: se tem conhecimento de ao menos seis atletas trans inseridos nas disputas, incluindo três pessoas não-binárias; além de uma pessoa trans na Paralimpíada de Tóquio e uma pessoa não-binária nas Olimpíadas de Inverno de Pequim de 2022. 

Por mais que se caminhe a passos lentos e o número pareça pouco expressivo, é um indicativo de que a participação de atletas trans nos esportes não deve ser ignorada, mas ter todas as suas complexidades contempladas em debates para garantir que essa inserção vá de acordo com os direitos aos quais pessoas trans têm direito.

Até o momento, o Comitê Olímpico Internacional (COI) aponta que não há desvantagem comprovada em uma competição entre pessoas cisgênero e transgênero, desde que os níves hormonais previstos pelo órgão sejam seguidos pelos atletas. No entanto, a ausência de pesquisas que deem uma resposta definitiva sobre a possibilidade ou não de um impacto no resultado, somada à falta de estudo da comunidade em geral sobre o tema, a margem para a propagação de comentários transfóbicos é muito grande. 

Por se tratar de uma temática cercada de mais perguntas do que respostas, o iG Queer reforça que a discussão das reportagens não é sobre se é justo ou não que pessoas trans possam competir em esportes ou praticar atividades físicas, seja no alto rendimento, no amador ou como lazer. O interesse é de jogar luz sobre o caminho atualmente percorrido para viabilizar essa participação, bem como as lacunas que devem ser preenchidas e o nível em que se encontram as discussões sobre o tema em diversos âmbitos, desde a ciência até a política.

Quando o assunto ganhou visibilidade

O COI possibilita a profissionalização de atletas trans de alto rendimento desde 2005. No entanto, a discussão foi impulsionada em 2016 após o órgão derrubar a obrigatoriedade das cirurgias de redesignação sexual para competir e implementar novas regulações para permitir que atletas trans ingressem nas competições profissionais. 

As mudanças foram implementadas durante as Olimpíadas de Verão do Rio naquele ano. Mais do que por ter sido sede dos jogos, essa edição dos Jogos Olímpicos se tornou emblemática porque a jogadora de vôlei Tiffany Abreu chegou a ser cogitada para integrar a seleção, mas acabou não sendo convocada. Tiffany atualmente no Osasco São Cristóvão Saúde Voleibol Clube. O iG Queer tentou contato com a atleta, mas, de acordo com a assessoria, ela estava em período de férias durante a apuração das reportagens.

O pesquisador Leonardo Morjan Britto Peçanha é professor de educação física, licenciado e bacharel, especialista em gênero e sexualidade, mestre em ciência da atividade física e doutorando em saúde coletiva. Na adolescência, ele foi jogador de futebol na categoria amadora. Pouco depois do fim dos jogos olímpicos da Rio 2016, ele percebeu que a demanda trans no esporte ficou mais evidente e escreveu um artigo que abordava a intersecção entre transgeneridade e esportes. Desde então, tem se debruçado sobre pessoas trans no esporte, pois tem estudado e pesquisado sobre as questões socioculturais na Educação Física pela perspectiva de gênero, sexualidade e violência desde a graduação.

Foto: Reprodução/Instagram
Tifanny Abreu participou dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016


Peçanha afirma que a discussão sobre esse assunto importa também do ponto de vista da visibilidade para atletas trans. Enxergar essas pessoas como algo positivo é um avanço determinante – como é o caso da própria Tiffany. “Tudo no Brasil começou por conta dela. Ela é a única que se tem conhecimento a competir no alto rendimento. A presença dela nesse espaço é muito importante”, reforça o pesquisador. A jogadora também foi a primeira atleta trans a disputar a Superliga de Voleibol Feminino.

No entanto, ele afirma que, até os dias de hoje, a discussão é permeada por discursos de ódio e informações falsas; além de não levar em consideração a perspectiva das próprias pessoas trans. Desta maneira, fala-se e pensa-se sobre o corpo das pessoas trans como subalterno e de maneira equivocada, pois se leva em consideração que os corpos cisgênero são os únicos possíveis.

“A discussão é muito pautada em cima de argumentos que muitas pessoas leem como científicos, mas são usados aspectos e fatores científicos como únicos e válidos pela perspectiva cisgênera. É um debate que ainda é muito enviesado em que não existe uma ética de olhar para os dois lados. As narrativas trans são desconsideradas. Como diz a escritora feminista Chimamanda Ngozi Adichie, é a ideia da história única, como se só tivesse apenas uma perspectiva das coisas, que não leva em considerações outros olhares”, explica Peçanha.

O pesquisador aponta que esse tipo de movimentação de barrar presenças dissidentes no esporte não é novidade , mas uma manobra histórica para não permitir (ou dificultar) certas participações. “Até bem pouco tempo atrás na história dos Jogos Olímpicos, o boxe, por exemplo, era só para homens. Mulheres não podiam lutar boxe; a primeira vez que isso aconteceu foi em 2012”, ressalta.

Peçanha também relembra a dificuldade de acesso ao esporte por pessoas negras, que só passaram a competir com mais recorrências nas Olimpíadas a partir dos anos 1960. “Houve um movimento para tentar impedir que pessoas negras praticassem esportes muito com essa ideia de força, que é um ideal racista remanescente da época dos processos de escravização , além do racismo estrutural presente na história dos Jogos Olímpicos que impedia atletas negros de participar. Hoje, o mesmo é colocado para pessoas trans . A diferença são os argumentos de vantagem que estão por trás da discussão”, compara.

Acesso é negado desde início da vida

O repelimento de pessoas transgênero no esporte é um efeito que ocorre devido à naturalização de violências voltadas para corpos que se expressam de maneira não conforme com seus gêneros. A atual maneira como a educação física escolar está organizada contribui para a exclusão social de crianças com comportamentos dissidentes por ser organizada de forma conservadora e pautada nas divisões de gênero.

Foto: Arquivo pessoal
Leonardo Peçanha é formado, licenciado e bacharel em educação física, especializado em gênero e sexualidade, mestre em ciência da atividade física e doutorando em saúde coletiva

Um exemplo é a forma como, até os dias atuais, algumas atividades são rotuladas como “de meninos” e “de meninas” – definições que, aponta Peçanha, estão desatualizadas e sequer deveriam estar em discussão atualmente. Além disso, há a expectativa de que os corpos desses jovens se movimentem de uma determinada maneira que, quando não é a esperada, pode acarretar em bullying e negação que, consequentemente, faz com que essas crianças se afastem dessas atividades.

“Há muitas crianças que ficam de fora e pedem para fazer trabalhos. É uma realidade que infelizmente acontece em diversos segmentos: além de pessoas LGBTI, as populações negra, gorda, muito magras, pessoas com deficiência, pobres, periféricas etc também estão sujeitas a esse afastamento. No caso do bullying LGBTIfóbico, há uma inferiorização daquele corpo e manifestação corporal, que é cobrado e lido como estranho”, aponta Peçanha.

“Vemos muita relação das crianças, adolescentes e adultos trans com sedentarismo e distúrbios psiquiátricos, por exemplo, por ser privada da participação adequada no esporte. É algo que precisa ser discutido até para melhorar a saúde mental da população trans. Temos que ter programas exclusivos de esporte e incentivar que essas crianças, sejam cis ou trans, sonhem em competir e disputar uma Olimpíada, se assim quiserem. É uma discussão que precisa ser uma política de saúde pública”, defende a endocrinologista Anna Paula Oliveira.

Peçanha continua ao afirmar que a defasagem da realização de esportes no contexto da educação física escolar pode trazer grandes impactos para a vida de pessoas trans, o que faz com que o assunto se torne uma questão de saúde. “É importante para o desenvolvimento da criança e do adolescente que ele corra, faça atividade física, esteja em contato com seus pares. A não realização também acarreta em déficit nas questões motoras e corporais”, diz.

“É direito do ser humano ter acesso à educação – e a educação física faz parte das disciplinas e devem ter acesso de forma humanizada, com equidade e respeito. Isso não vem acontecendo e tem impacto não só na questão de impedir o acesso à educação, mas na questão corporal”, reforça Peçanha. “Em uma perspectiva coletiva, o esporte, assim como o lazer, é muito caro às pessoas trans porque a gente se preocupa mais com estar vivo, direito ao nome e banheiro, ter um trabalho, se alimentar ou ter um lugar para morar. Ou seja, questões sociais primárias e essenciais. Ainda é uma população marcada por processos de vulnerabilidade que são históricos”, acrescenta.

Reposição hormonal e critérios atuais

Atualmente, o COI estipula que mulheres transgênero que querem competir no alto rendimento precisam atestar, 12 meses antes da primeira competição, que mantêm os níveis de testosterona abaixo dos 10/nmol. A adequação é monitorada por testes e exames que devem ser apresentados regularmente pelas atletas

Anna Paula é especializada em tratamento hormonal de adequação corporal voltado para pessoas trans e aponta que o critério do comitê olímpico é válido. No entanto, enfatiza que a discussão está, principalmente, na exposição à testosterona previamente à reposição hormonal, principalmente na época da puberdade. 

"A maioria dessas mulheres trans passou por uma puberdade masculina e tiveram uma ação de testosterona no corpo, o que faz com que possam ter mais altura, massa muscular maior e mais produção de hemácias, que são as células que transportam oxigênio. Até o momento, a gente não tem investigações de que esse efeito que aconteceu lá na adolescência se mantém, mesmo que elas façam o bloqueio hormonal e tenham um nível de testosterona igual ao de outras atletas cis", explica. 

José C. Martins Junior, médico do Transgender Center Brasil e considerado referência em cirurgias realizadas por pessoas trans, defende o desenvolvimento de pesquisas e apurações aprofundadas sobre o desempenho de atletas trans para que fique evidente quais são as influências da terapia hormonal na atuação em competições, por exemplo, e até que ponto essa influência pode impactar no resultado final. 

“A disposição hormonal tem a capacidade funcional, que é o que pode fazer a diferença. Então vamos pensar que eles possam agrupar mulheres trans com biotipos muito semelhantes aos de mulheres cis, mas como é a capacidade muscular dela? Agora, é o seguinte: o quão diferente isso é? Quanto isso é indiferente na situação e, se existe essa diferença, até que ponto ela vai prejudicar as pessoas? É difícil fazer essa avaliação, bem como as pesquisas, principalmente por ser um assunto recente”, explica.

Anna Paula afirma que o desconhecimento da população geral sobre o que são pessoas trans e os impactos do tratamento hormonal impactam também na maneira de compreender o assunto. Peçanha complementa ao afirmar que a lógica da terapia hormonal é vista pela ótica equivocada: “A própria reposição hormonal já dá conta disso [adequação para competir] porque ela não é primeiramente estética, mas funcional. Os procedimentos têm impacto no funcionamento do corpo”.

Por mais que não existam resultados totalmente certeiros com relação ao impacto de resultado, tanto Martins quanto Anna Paula Oliveira defendem a realização de pesquisas e reconhecem que o debate vai muito além do quesito científico: é uma discussão que engloba diversas frentes e não dá margem para exclusões ou ataques transfóbicos. Ambos também explicitam a necessidade de que existam pesquisas para poder fazer esse monitoramento. A maneira de fazer isso é permitindo que pessoas trans compitam.

“Eu só vou saber se é injusto uma mulher trans competir com uma mulher cis se a mulher trans competir. Não tenho como dizer com certeza que uma jogadora específica, que passou por anos de exposição à testosterona e fez a transição, vai ter ganho em relação às outras atletas. Eu só vou saber disso se eu ver o desempenho dela. Então, se a população trans não for colocada no esporte, eu nunca vou saber se há um ganho ou uma perda”, coloca a endocrinologista.

Os médicos também defendem que não se deve generalizar que todos os corpos trans são passíveis de oferecer uma desvantagem a competidoras trans. Para ambos, é necessário que a avaliação aconteça caso a caso. “O que a comunidade trans usa como argumento – e ela está certa – é que há variabilidade de uma pessoa para outra. É muito difícil dizer que uma atleta trans tem um benefício em relação a uma atleta cis sendo que pode ser que, geneticamente, ela seria uma pessoa mais alta ou com maior massa muscular mesmo se fosse cisgênero”, aponta Oliveira. 

“Para ter um comparativo, é preciso ter uma mulher trans competindo com uma mulher cis na mesma idade, no mesmo tempo, no mesmo biotipo corporal e na mesma disposição hormonal, com o mesmo tipo de treinamento e capacidades semelhantes para conseguirmos comparar as duas de fato. A partir disso, serão colhidas todas as variáveis e se estudará a capacidade do hormônio na diferença entre essas duas competidoras. Isso é muito difícil”, reforça Martins.

Se por um lado a preocupação com uma possível disparidade de resultados por parte de mulheres trans atletas é exacerbada, por outro, a participação de homens trans é marcada por invisibilização. De acordo com o COI, a única obrigatoriedade é o homem trans ser elegível a qualquer categoria, masculino ou feminino. A falta de regulamentação impacta na ótica pelo qual atletas transmasculinos são atualmente vistos: de competidores que não são páreos para homens trans, já que, pela ótica de pessoas cisgênero, os corpos desses homens continuam vistos como corpos “de mulheres” – um fenômeno que Peçanha chama de Transmisoginia Transmasculina. 

“Sob essa ótica, o homem trans está sempre alinhado a esse lugar de inferior, fraco, menor e invisível. Estamos existindo nesse não lugar por não haver um entendimento da nossa corporeidade enquanto seres humanos que querem competir. O debate nem chega nesse ponto porque fica parado apenas na ‘vantagem’ da mulher trans”, aponta o pesquisador.

Discussão política

Foto: Nego Júnior/Divulgação
Erica Malunguinho (PSOL-SP) é mulher trans educadora, artista plástica e política brasileira

Os campos sociais e políticos também estão entrelaçados com a inclusão de pessoas trans no esporte de maneira que, para que seja possível conseguir direitos, essa é uma área que precisa avançar. No entanto, há um movimento contrário muito mais forte puxado pela bancada política conservadora, que tenta impedir a participação de atletas trans no esporte – tema que também será abordado mais a fundo ao longo da série de reportagens.

Dos sete projetos de lei que foram apresentados nas Câmaras dos Deputados até 2019, o que mais ficou conhecido foi o PL 346/2019, apresentado à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) pelo deputado estadual Altair Moraes (Republicano). Na época, a deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL) realizou uma audiência pública com profissionais de diversas áreas para promover conhecimentos e debater sobre o assunto. 

“Procuramos oferecer uma sessão pautada na qualidade argumentativa de especialistas, como pesquisadores, endocrinologistas e educadores físicos, para de fato promover uma análise científica sobre o tema, em contraponto ao PL”, aponta a deputada ao iG Queer. 

Malunguinho afirma ainda que o projeto do deputado foi baseado em “mitos e preconceitos que cercam a abordagem tradicional de exclusão da população trans de todo e qualquer círculo social”. O projeto tinha como intuito estabelecer o sexo biológico como o único critério válido para a definição de gênero em competições esportivas. “É justamente nesse lugar que quase se legitimou a transfobia no Brasil, porque se um PL desse passa, vai estar legitimada a transfobia enquanto lei no país”, acrescenta Peçanha. 

Danielle aponta ainda que essas movimentações para interferir em quem pode ou não praticar esportes é inconstitucional. “O artigo 217 da Constituição garante que o poder legislativo não pode atuar nas entidades esportivas. Além disso, a Lei Pelé dá algumas diretrizes sobre o esporte no Brasil e reafirma a autonomia das entidades esportivas para fazerem as suas normativas e regras”, aponta a ativista.

O resultado dessa mobilização contrária é vantajosa para a bancada de extrema direita, que tem conseguido atenção e votos ao colocar em pauta legislações que vão contra os direitos de pessoas LGBTQIA+, principalmente de pessoas trans. “Essa é a tática primordial do conservadorismo, que invoca toda ação retrógrada em favor da sustentação de desigualdades das mais absurdas. Trata-se de um status quo mantido há séculos”, diz Malunguinho.

Peçanha, por exemplo, toca na questão da empregabilidade. “O atleta no alto rendimento precisa ser pensado como um profissional da área do esporte. Quando se nega a presença de pessoas trans nos esportes no alto rendimento, se está negando a possibilidade dela trabalhar”, aponta. O pesquisador chama atenção ainda para os olhares fechados quando se trata de áreas como o esporte amador, a educação física escolar e o bem-estar de jovens LGBTQIA+ que, sem um respaldo de segurança, abandonam o esporte e a escola.

A esperança para que hajam passos à frente na inclusão de atletas trans no Brasil é a diversificação das casas legislativas, principalmente com candidaturas LGBTQIA+ e transgênero. “A formatação dos espaços de poder, majoritariamente ocupados por homens brancos e cisgêneros, é a grande articulação que mantém o sistema na engrenagem dos valores tradicionais, criados em prol da dominação cultural exercida por esta classe. Por isso se fala tanto em representatividade, e isso diz respeito à influência, ao empoderamento real”, finaliza Malunguinho.

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