Gordofobia exclui os corpos LGBT e os coloca à margem da sociedade

O preconceito com corpos que saem do padrão estético da magreza coloca essas pessoas em uma posição marginalizada

Corpos gordos ainda são vistos como doentes
Foto: Shvets Production/Pexels
Corpos gordos ainda são vistos como doentes

Não é de hoje que o corpo gordo, que foge totalmente dos padrões de beleza que incluem a magreza como o “ideal”, são colocados em uma posição totalmente patológica – ou seja, são sempre vistos como sinônimo de doença. Além disso, para quem faz parte da comunidade LGBTQIAP+, há o adicional de ter o corpo e a existência vistos como errados por si só, resultando em uma sobreposição de marginalizações.

Malu Jimenez, doutora em filosofia do corpo gordo e gordoativismo, conta ao iG Queer que o ativismo gordo nasceu na década de 1960 para 1970 nos Estados Unidos, com a morte de uma mulher gorda por negligencia médica. Na época, a cantora Cass Elliot, da banda The Mamas & the Papas, conversava com algumas amigas que algo de muito errado acontecia socialmente contra os corpos gordos.

"Ela sentia dores no estômago, mas quando buscava ajuda na saúde, escutava que era porque estava gorda e precisava emagrecer. Infelizmente, Cass descobriu tardiamente que estava com um câncer no estômago, o que acabou levando-a ao falecimente.”

A especialista explica que esse foi o gatilho inicial para que pessoas gordas se unissem em prol do reconhecimento dos corpos dissidentes. Ela complementa que essas mulheres, desde então, começaram a se organizar, estudar e reivindicar uma revisão nos estudos que patologizavam esses corpos.

"Na época também nasceu nos Estados Unidos os fat studies  de mãos dadas ao ativismo, que foram se espalhando pelo mundo, como é o caso aqui no Brasil dos estudos transdisciplinares das corporalidades gordas – o Pesquisa Gorda, do qual faço parte desde 2014. O ativismo gordo caminha de mãos dadas com os estudos transdisciplinares das corporalidades gordas e vem, desde então, denunciando a gordofobia, reivindicando a despatologização desses corpos e a reinvindicação a acessibilidade para essas pessoas. Apesar de sermos muitos no mundo todo, nossa sociedade não é preparada para esses corpos, como, por exemplo, nos hospitais não temos macas que suportem pessoas gordas, cadeiras de rodas, aparelhos de ressonância, manguitos para medir a pressão, ou ainda nas escolas carteiras, uniformes, banheiros etc”, detalha. 

Malu também lista algumas formas pelas quais a gordofobia pode ser reconhecida em diferentes âmbitos da sociedade. Ela afirma que a gordofobia pode ser identificada em várias facetas da sociedade contemporânea, já que é uma discriminação que leva à exclusão social e, consequentemente, nega acessibilidade às pessoas gordas.

"Essa estigmatização é estrutural e cultural, transmitida em muitos e diversos espaços e contextos na sociedade contemporânea. O prejulgamento acontece por meio de desvalorização, humilhação, inferiorização, ofensa e restrição dos corpos gordos de modo geral. A gordofobia está em todos os lugares e é, muitas vezes, disfarçada de preocupação com a saúde, dificultando, dessa forma, seu entendimento e embate”, explica. 

Brenno Faustino  é influencer LGBT e compartilha com o iG Queer como ter um corpo gordo – por ter ganho peso durante a pandemia – e não ser hétero-normativo fez com que mudasse a visão que muitas pessoas tinham dele e de que modo essa questão modificou as perspectivas dele sobre si mesmo.

Ele diz que hoje se enxergo como uma pessoa muito  especial, mas a sociedade por muito tempo se via de uma forma totalmente diferente. Faustino declara que por um momento acreditava que ser uma pessoa LGBTQIAP+ fosse errado, algo sujo. 

"Teve uma época que parecia que eu estava vivendo errado, sabe? O que mais me doía, de verdade, era saber que eu tinha que tentar renegar quem eu sou devido ao posicionamento que a sociedade tem. Infelizmente os corpos gordos ainda são vistos como algo ruim. Muitas pessoas julgam o gordo como não sadio, como errado. Ninguém quer saber se a pessoa está gorda por um problema de saúde, eles apenas julgam o que estão vendo da pior maneira possível”, continua. 

Ele acrescenta ainda que esse julgamento vem até mesmo de dentro da própria comunidade LGBTQIAP+. “Já cansei de ouvir piadinhas me julgando, como ‘essa bicha gorda’, por exemplo. Para falar a verdade, acredito que o público LGBTQIAP+ são os que mais reproduzem gordofobia, ou pelo menos comigo. Recebo inúmeras mensagens sendo atacado”.

Malu explica que a gordofobia, além dos ataques verbais e críticas cruéis, gera também a falta de acesso a diferentes espaços, pois os corpos gordos não fazem parte do planejamento de quaisquer infraestruturas.

“Nossa sociedade não é pensada para essas corporalidades, desde uma calcinha, absorvente, camas, colchões, carteiras em colégios, uniformes no trabalho, transporte público, assentos em aviões, macas de hospitais, aparelhos de exames, salas de espera, cintos de segurança, entre outros”, esclarece. 

Com base na experiência de Brenno, pode-se dizer também que a gordofobia impacta também no âmbito profissional. O influenciador, que adora moda, conta que a mudança de imagem, no caso o ganho de peso, afetou diretamente o próprio trabalho. Ele afirma que, profissionalmente, está sendo bem difícil.

"Cresci nas redes sociais, mostrando looks e fazendo provadores em lojas. Eu amo moda, me vestir bem e adoro mostrar para os meus seguidores os estilos de looks, mas desde que desenvolvi uma compulsão alimentar eu engordei bastante. A partir daí percebi que as marcas não me procuram mais para fazer provador como antes, a demanda diminuiu muito. Eles não fazem questão de esconder que o motivo é o meu peso, então peguei um trauma de trabalhar com a moda em si, pois mesmo gostando não me sinto bem fazendo um provador como eu fazia antes. Além disso, a maior parte do meu guarda-roupa são compostas por peças pretas, de tanto ouvir 'nossa, você está gordinho, hein'”, comenta. 

Apesar do cenário atual, que é explicitamente excludente com corpos gordos, Malu aponta que o ativismo gordo evoluiu consideravelmente. Contudo, ela não exclui o fato de que ainda há muito caminho pela frente, tanto no debate em si quanto em ações diretas no combate à gordofobia. 

“Apesar dessa discussão ser muitas vezes capturada pelo capitalismo no intuito de se ganhar dinheiro, visibilidade e likes num debate superficial nas redes, o ativismo gordo junto às pesquisadoras do corpo gordo vêm avançando um debate mais profundo com responsabilidade social, no que cabe a transformações sociais a passos largos. Quando comecei em 2014 não se ouvia falar sobre o conceito de gordofobia, por exemplo. Eu precisei buscar esses estudos fora do Brasil e hoje temos o primeiro grupo de Pesquisa Gorda no Brasil, com estudos transdisciplinares das corporalidades gordas com mais de 20 pesquisadores de diversas áreas e universidades brasileiras, desde a graduação até o pós doutoramento pesquisando, escrevendo, performando e militando por um mundo menos gordofóbico. Ainda temos muito que avançar, mas estamos no caminho”, conclui.

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