Atleta gay sobre LGBTs no esporte: "É um espaço homofóbico"
O atleta e escritor Fernando Bertozzi, em entrevista ao iG Queer, conta como o ambiente esportivo ainda se mostra LGBTfóbico, apesar das evoluções recentes
As Olimpíadas de Tóquio 2020 – realizada em 2021 devido à pandemia – foi um marco na história do evento devido ao alto número de integrantes LGBTQIAP+ nas delegações de diferentes países, além de ser a primeira vez que atletas transgênero integraram as disputas. As Olimpíadas de Inverno de Pequim, realizadas em fevereiro, seguiram a mesma linha.
Segundo apuração feita pela agência de notícias esportivas com recorte LGBTQIAP+, a Outsports, a quantidade de atletas da comunidade nas Olimpíadas de Inverno dobrou desde a última edição, em 2018, realizada na Coreia do Sul. Os 34 atletas LGBT deste ano – incluindo os brasileiros – fazem parte de países que possuem políticas públicas voltadas para essa parcela da população e nações que ainda criminalizam ser LGBT. Essa também é a primeira Olimpíada de Inverno com integrante não-binário: Timothy LeDuc, norte-americano da patinação que utiliza pronomes neutros.
Em vista dessas recentes conquistas no esporte, fica o questionamento: a representatividade LGBTQIAP+ no esporte é suficiente ou ainda é uma caminho sendo trilhado aos poucos? O atleta e escritor Fernando Bertozzi , que recebe críticas por gostar de futebol e ao mesmo tempo defender os direitos de pessoas LGBTQIAP+, conversou com o iG Queer sobre a importância da presença e inclusão crescente de pessoas que fogem do padrão hétero-cis no meio esportivo.
iG Queer: Enquanto atleta LGBT, quais os principais obstáculos com os quais você se deparou durante sua trajetória no esporte?
Fernando Bertozzi: O esporte ainda é um espaço muito homofóbico. Comecei a praticar atletismo aos 11 anos de idade. Com 15 anos, já no Ensino Médio, sofri homofobia na escola e por pouco não fui agredido. Não tive ajuda de movimentos sociais, e naquele momento pensei que muitas pessoas poderiam estar passando por isso. Comecei no ativismo e fundei uma ONG para lutar contra o preconceito e a discriminação na minha cidade. O esporte passou a ser uma segunda opção naquele momento, mas nunca parei de correr. O trauma da homofobia me fez querer ajudar no combate à discriminação. Foi difícil, mas me dá orgulho de dizer que coloquei na rua a primeira Parada do Orgulho LGBT de Búzios. Anos depois, voltei a competir novamente.
iG Queer: A seu ver, a LGBTfobia é mais acentuada em algumas modalidades esportivas?
Fernando Bertozzi: O futebol é uma modalidade declaradamente homofóbica. Mas, graças a Deus, existem leis que punem a homofobia e a cada dia estão mais rigorosas. Não é algo especial do futebol, mas é onde está presente com maior frequência. Cantos homofóbicos durante os jogos podem gerar multas para os times que estiverem em campo. Isso é um grande avanço.
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iG Queer: O que você acha que precisa ser feito para que a comunidade LGBTQIAP+ passe a ser mais bem incluída e respeitada no esporte?
Fernando Bertozzi: É necessário falar, dialogar e estar presente. Times como Vasco, Flamengo e Fluminense entraram em campo com as camisas personalizadas em alusão ao Dia Internacional do Orgulho LGBT. Pode parecer pouco, mas pra gente isso é muito bom, pois trata-se de um espaço ainda conservador, homofóbico e principalmente transfóbico. Estar presente nesses espaços é um grande começo para uma sociedade inclusiva e igualitária.
iG Queer: Na sua concepção, atualmente o esporte caminha para um futuro mais inclusivo ou ainda há muito o que avançar?
Fernando Bertozzi: Está caminhando, mas ainda precisa avançar. O Fluminense foi enquadrado no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva e condenado a pagar R$ 50 mil por gritos homofóbicos na partida contra o Internacional, em 24 de novembro do ano passado. Sou tricolor de coração, mas acho válido para que as torcidas tomem consciência de que homofobia não é brincadeira. O Flamengo ja foi multado duas vezes, eu acho.
iG Queer: Quais são as principais dificuldades para os atletas LGBT no Brasil?
Fernando Bertozzi: No geral, todo atleta já tem dificuldade no Brasil. Se for LGBT, pior ainda. Por ser um espaço ainda heteronormativo, algumas marcas ainda têm dificuldade de contratar atletas declaradamente LGBT. Muitos são pressionados a esconder a sexualidade para conseguir patrocínio. Mas isso vem mudando aos poucos, pois estamos cada dia mais presentes no esporte em todas as modalidades. E isso vem chamando atenção das grandes marcas.
iG Queer: Qual a importância para os atletas terem um ambiente inclusivo e saudável?
Fernando Bertozzi: Vai chegar o dia em que não precisaremos mais falar de nossa sexualidade e identidade de gênero, mas falta muito para isso acontecer. Isso nada mais é do que representatividade, pois estamos inclusos dentro de um espaço no qual ainda não somos aceitos e que queremos permanecer. Quanto mais estivermos juntos e presentes, conseguiremos transformar o espaço heteronormativo em um espaço acolhedor e inclusivo para todos.
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** Estagiário das editorias Queer, Canal do Pet e Turismo desde 2021, Miguel Trombini já passou pelas editorias Delas e Receitas. Produz majoritariamente para a página LGBTQIAP+ do iG e utiliza um pouco da experiência como homem trans e gay para oferecer o conteúdo mais completo possível acerca da diversidade sexual e de gênero.