“Riscava ‘nome da mãe’ da matrícula porque meu filho tem dois pais”

O período de volta às aulas acende o debate sobre inclusão de crianças de casais homoafetivos nas escolas, a começar pela filiação em documentos

Benjamin Cano e Louis Plànes são pais de Vinicius; na escola do pequeno, o formulário constava com 'nome da mãe' na filiação
Foto: Sergio Maia
Benjamin Cano e Louis Plànes são pais de Vinicius; na escola do pequeno, o formulário constava com 'nome da mãe' na filiação

Quando o influenciador digital Benjamin Cano matriculou Vinicius, seu filho de 4 anos, na escola, não notou nada de diferente nos formulários que assinou com as informações da criança. Benjamin é casado com o empresário Louis Plànes; mesmo assim, não se sentiu incomodado ao ver na ficha os pedidos de “nome da mãe” e “nome do pai”. “Eu só riscava a palavra ‘mãe’, colocava ‘pai’ e meu nome do lado”, lembra.

O incômodo veio no fim de 2021, quando foi realizar a rematrícula de Vinícius e se deparou com os mesmos campos. Ao contrário dos outros anos, Benjamin se sentiu constrangido. “Me incomodou muito porque somos um casal de homens gays e somos pais. Nada incomoda mais do que preencher um formulário, ter que riscar uma linha em ‘mãe’ e colocar meu nome depois. Estamos em 2022 e a realidade deve mudar”, afirma o influenciador.

Por ter uma boa relação com a supervisora e a diretora da escola, Benjamin se sentiu seguro para dizer como estava se sentindo. Ele explica que, como Vinícius estuda em uma escola que preza por inclusão e diversidade, se sentiu acolhido. “Mandei mensagem para a supervisora explicando a situação e sugeri que o formulário fosse alterado”.

O influenciador conta que a recepção das funcionárias foi respeitosa e que a conversa foi amigável. Apesar de ter escutado que mudanças seriam feitas no documento, Benjamin não sabe se houve alterações na filiação. “Vou descobrir quando fizer a matrícula da minha filha mais nova, que também vai estudar lá daqui um tempo”, explica.

O uso de uma filiação mais inclusiva no formulário escolar tem se alçado como uma forte demanda para a inclusão de crianças e núcleos familiares diversos nas instituições privadas e públicas. Desde de outubro de 2021, por exemplo, a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo alterou os campos para "filiação 1" e "filiação 2".

Anteriormente, o pai era facultativo e o nome da mãe era obrigatório. A mudança no sistema de matrículas do estado ocorreu após um casal gay mover uma ação em Barra do Turvo, no interior de São Paulo. Por mais de um ano, o nome de um dos pais ficou cadastrado como “mãe”. A secretaria foi determinada a fazer uma alteração geral no sistema pela 1ª Vara Cível de Jacupiranga, responsável pelo caso.

Todas as famílias

O pedagogo André Barbosa afirma que as nomenclaturas “pai” e “mãe” são pouco inclusivas e podem causar desgastes emocionais em famílias compostas por casais do mesmo gênero. “Nesses casos, o casal acaba precisando escolher qual pessoa vai colocar o nome no campo ‘mãe’ ou ‘pai’ mesmo que existam duas mães ou dois pais. Causa constrangimento”, exemplifica.

O especialista e o influenciador afirmam que o destaque dado para as informações do nome do pai ou da mãe sintetizam o que é entendido como família no imaginário brasileiro. Esse significado seria o núcleo familiar heteronormativo, formado por um casal heterossexual e as crianças.

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“Isso ocorre tendo em vista que somos um povo com tradições machistas e patriarcais”, afirma o pedagogo. André destaca ainda os resquícios de tabus e religião que tendem a interferir no avanço para se compreender a diversidade.

No entanto, ele explica que medidas de alteração na filiação, como a realizada em São Paulo ou na escola em que Vinícius estuda, são interessantes para abarcar não apenas casais homoafetivos e ir para um caminho sem preconceito. Além disso, incluem-se outras composições familiares. “Muitos núcleos familiares são compostos apenas pela mãe ou pelo pai ou por outro parentes, como os avós”, afirma.

Benjamin explica que enxerga sua própria família como longe de fazer parte do espectro padrão. “Além de sermos um casal gay branco, adotamos duas crianças negras. Nossa família é totalmente fora dos padrões pré-definidos”, pontua. “Existem famílias de todos os jeitos, não só mais um tipo com um pai e uma mãe. Estamos totalmente longe disso”, acrescenta.

Inclusão alavanca como critério

Benjamin explica que se sente privilegiado por ter conseguido um diálogo com a instituição atual de Vinícius. A criança vai precisar trocar de escola no próximo ano e o influenciador afirma estar com os olhos bem atentos.

O primeiro pilar para a escolha da instituição em que o filho vai estudar no futuro é a inclusão. “Por ele ser um menino negro com dois pais gays, minha preocupação é que ele seja bem integrado em uma escola que respeite isso”, diz. O segundo critério é que a escola não seja religiosa. “Quero que meu filho tenha suas próprias opiniões”.

Para André, a discussão atual em relação à filiação inclusiva é um avanço recente, o que causa otimismo no profissional. Isso porque se evidencia que há discussões para que essa mudança seja realizada. “O tema era pouquíssimo debatido nos anos 1990, por exemplo”, diz.

A esperança do pedagogo é de que, eventualmente, outros estados e municípios possam acompanhar a tendência de alteração de filiação no sistema de matrículas. Benjamin sente que o Brasil pode estar perto de conquistar isso de forma mais ampla. “Nos formulários de documentos oficiais, como RG, CNH e passaporte, o termo existente já é ‘filiação’. A administração brasileira já tem dado esse passo”.

No entanto, ainda é necessário avaliar se medidas como essas serão vistas com resistência por parte de outros estados ou sistemas de ensino e se a medida será aplicada de forma igualitária, por exemplo, entre o sistema particular ou público.