Okama, BL e GL: saiba como a comunidade LGBTQ é representada no Japão

A parada LGBT, os animes e os mangás tentam suprir o desfalque de representatividade

Foto: iStock
Saiba quais são as limitações da comunidade LGBTQIAP+ japonesa e como essa parcela da população é representada

Além de ser uma das maiores economias do mundo,  o Japão é marcado pela alta qualidade do transporte público, ruas majoritariamente limpas, segurança pública e alta expectativa de vida. Apesar de ser um país tão avançado nos aspectos citados, a nação nipônica caminha a passos lentos rumo aos direitos das pessoas LGBTQIAP+, além de ter algumas contradições acerca do tema.

Pensando na segurança e na integridade física, o Japão ocupa o 9° lugar no ranking de países mais seguros do mundo de acordo com o relatório divulgado em novembro de 2020 pela Global Peace Index (GPI). É um dos países com menor taxa de crimes por armas de fogo e o índice de homicídios é surpreendente: 0,28 homicídios para cada 100 mil habitantes, de acordo com Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes. Em vista disso, pode-se dizer que caminhar pelas ruas do Japão, sendo LGBT ou não, é seguro. 

Apesar disso, o preconceito é presente. É rara a ocorrência de agressão a pessoas LGBTQIAP+ em locais públicos, assim como é difícil ouvir ofensas diretas, mas ainda há manifestações de preconceito. Em agosto de 2018, ocorreu um caso famoso de repercussão internacional: a deputada Mio Sugita, do Partido Liberal Democrata (LDP), questionou o uso do dinheiro público para causas LGBTQ (como o casamento, por exemplo). De acordo com ela, casais do mesmo gênero “não produzem filhos. Em outras palavras, eles não têm produtividade e, portanto, não contribuem para a prosperidade da nação”. 

Nessa mesma época, outro membro da LDP, Tomu Tanigawa, disse que a homossexualidade era “uma questão de gosto”, afirmação equivocada, uma vez que orientação sexual não é uma escolha. Ele afirmou em um programa de TV on-line que, mesmo não se colocando contra o relacionamento entre pessoas do mesmo gênero, ele se opunha ao casamento homoafetivo. “Um homem e uma mulher se casam e têm filhos. É assim que uma família tradicional é formada. Os humanos têm feito isso desde a antiguidade para evitar que as nações caiam em declínio e ruína”, declarou. 

Em contrapartida, vários governos locais do Japão reconheceram a união estável entre pessoas do mesmo gênero nos últimos anos. O primeiro foi Shibuya, seguido de Setagaya, ambos em Tóquio. Outros seguiram o mesmo caminho, como Sapporo, Fukuoka e Osaka. Porém, o governo central não reconhece o casamento LGBT, logo, essas iniciativas individuais de cada região, apesar de importantes, ainda não proporcionam resultados definitivos. 

Parada LGBTQIAP+

Foto: Mainichi/Naoaki
Tokyo Rainbow Pride de abril de 2019

A primeira parada do Japão foi em 1994. A principal acontece em Tóquio, conhecida como ‘Tokyo Rainbow Pride’ (東京レインボープライド). Geralmente ela acontece entre abril e maio e consiste em uma marcha de aproximadamente 3 km ao redor da área de Harajuku/Shibuya. Além da marcha, a parada é um evento de uma semana organizado pela comunidade LGBTQ em Tóquio para apoiar e promover a conscientização e igualdade. No fim da semana em que ela acontece, há também um evento no parque Yoyogi (代々木公園), com direito a stands de empresas e organizações que mostram apoio e oferecem brindes, comidas e bebidas, além de um palco com apresentações. 

O outro lado da moeda: mangás BL e GL

Casais LGBT costumam se encontrar em locais específicos no Japão, como saunas, bares e cafés no distrito Shinjuku, em Tóquio. A exclusão e invisibilidade dessa parcela da população é real e palpável, pois, por conta do casamento homoafetivo não ser permitido pelo governo principal, por exemplo, é de se esperar que pessoas LGBT, quando se descobrem -- especialmente durante a juventude -- sintam medo de se afirmar. 

Por outro lado, o mundo dos mangás oferece um conteúdo específico que tem foco em retratar relacionamentos aquileanos (entre dois homens): o yaoi (やおい), termo que caiu em desuso e foi substituído por Boys Love (BL). Porém, há um detalhe importante a ser ressaltado: a maior parte dos mangás BL são feitos por mulheres para agradar o público feminino, mais especificamente as meninas adolescentes, ou seja, não é algo criado por e para a comunidade LGBT -- mesmo que também atraia o público masculino.

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O Shonen-ai também está muito ligado ao Boys Love mas possui algumas diferenças. Ele tem foco no lado emocional e no desenvolvimento romântico da história, deixando o lado físico -- e sexual -- em segundo plano. O Lemon, por sua vez (que também está dentro do espectro BL) é considerado o “conteúdo adulto” do Boys Love, com classificação +18. Os mangakas desenham literalmente as cenas mais íntimas entre os personagens, e o gênero possui muitas cenas de sexo explícito. 

Devido ao fato das obras BL serem feitas por e para mulheres, muito se fala sobre a forma como essas relações são retratadas de maneira objetificada, fetichista e estereotipada, uma vez que muitas obras não se aprofundam em questões realmente sensíveis para a comunidade -- como a LGBTfobia em si, os conflitos internos, etc. Esse tipo de debate é recorrente nas redes sociais e muitas pessoas se posicionam criticamente com relação às obras BL. 


Ao mesmo tempo, existem os mangás yuri, que retratam casais sáficos (compostos por duas mulheres). O termo e o gênero em si passaram por algumas interpretações ao longo dos anos. Em 1970, quando surgiram as primeiras histórias Yuri, a ideia era falar sobre a liberdade da mulher e o protagonismo de personagens sáficas, mas o tema era bastante marginalizado e cheio de estereótipos para corresponder às fantasias masculinas. Muitas autoras e consumidoras do gênero usam o termo Girls Love (GL), mas ainda se vê pessoas usando o termo “yuri”. 

One Piece e Okama

O termo “okama” é usado principalmente para se referir a uma aparência afeminada e exagerada, tanto por parte de homens gays quanto por parte de travestis e drag queens. A maior representação da essência da palavra aparece no anime “One Piece”, no qual há o Reino Kamabakka, conhecido como Reino Okama -- mesmo que os okamas estejam presentes em todo o mundo. 

Basicamente, são personagens que foram designadas como do gênero masculino ao nascimento, mas se expressam por meio de estereótipos femininos, variando desde homens cis afeminados a mulheres trans e drag queens. Muitas das roupas usadas pelos personagens podem parecer interpretações abstratas do que se consideram estereótipos femininos. Nem todas as personagens são barbeadas e muitas são altas e grandes, além de usarem perucas e maquiagem. 

Foto: Reprodução
Reino Kamabakka, conhecido como Reino Okama

Além disso, existe o The Newkama (que significa literalmente “Nova Humanidade”), um grupo de okamas liderado por Emporio Ivankov. Representam uma versão mais atualizada da crença okama pois, ao contrário da ilha, Newkama afirma ir além do conceito de gênero, pois quase todos experienciam tanto o gênero masculino quanto o feminino.