Trio colorido do BBB10 perdeu o prêmio, mas ganhou o amor do Brasil
Formado por Serginho, Dicesar e Morango, o grupo fala sobre o carinho que recebe do público até hoje, 11 anos depois de terem sido eliminados da casa mais vigiada do país
O Big Brother Brasil 21 começou há quase duas semanas e já virou assunto nas redes sociais e nos portais de notícia. Com 5 participantes abertamente LGB [ uma mulher lésbica e duas bissexuais, além de dois homens gays ] a edição bate um recorde, mas foi há 11 anos, na edição de 2010, que o reality teve o seu ápice do Orgulho Gay , com três participantes que “entraram” nos lares do país sem esconder a homossexualidade . Serginho, Dicesar e Morango , ou o "trio colorido", não levaram 1 milhão e meio de reais para casa, mas, em entrevistas exclusivas para o iG Queer , dizem que receberam (e continuam recebendo) o que consideram o maior prêmio de todos: o amor e o carinho dos brasileiros.
Muito antes do primeiro beijo gay da TV aberta, que ocorreu entre 2013 e 2014, entre os atores Mateus Solano e Thiago Fragoso, na novela "Amor à Vida", da TV Globo, Sérgio Franceschini, 31, mais conhecido como Serginho Orgastic, Dicesar Ferreira, 55, conhecido nas boates de São Paulo como a drag queen Dimmy Kieer, e Angélica Martins, 35, apelidada de Morango, fizeram história ao dar pinta, discutir sexualidade, falar de amor e diversidade e até enfrentar a homofobia no maior reality show da TV brasileira.
Hoje afastados, cada um vivendo em uma cidade diferente, Serginho em São Paulo, Morango em São Francisco do Sul, no norte de Santa Catarina, e Dicesar em Londrina, no Paraná, os três não mantém contato constante, mas dizem que guardam muita admiração e carinho uns pelos outros, pela história que tiveram juntos no BBB.
“Eu acho que a gente teve muita química, o que não é comum de se acontecer. A gente se divertiu muito na casa e conseguimos falar sobre a homossexualidade de uma forma leve e divertida para o público”, diz Morango.
Para Dicesar, eles foram responsáveis por manter a audiência do reality alta em 2010, representando grupos diferentes. “Nós seguramos o Big Brother 10. Ele foi nosso! Eu só fico muito sentido de nenhum de nós ter ganhado, porque a gente fez história. O Serginho com o estilo dele, irreverente, divertido, engraçado. O Serginho tem um coração muito bom. A Angélica já é mais séria, mas ela é uma menina exemplar, ela é nota mil, tenho paixão pela Angélica. Nós fomos coloridos e tão diferentes, cada uma com sua história”, afirma.
“A Morango representou a ala das lésbicas, as 'entendidas', o Serginho representou a juventude, uma gay moderna, conectada, e eu representei as mariconas, as bichas de quarenta, de cinquenta anos”, continua Dicesar.
Trabalhando em áreas diferentes, Morango na sua área de formação, o jornalismo, Dicesar como maquiador e Serginho como influenciador digital, eles contam que as vidas deles mudaram completamente depois que foram eliminados do BBB.
“Eu cresci por causa do programa, com o amor gratuito das pessoas, que chegam já dando um abraço. Foi muito gratificante para mim. Os próprios homossexuais se aproximam dizendo: ‘eu comecei a me aceitar por sua causa’. Eu não ganhei 1 milhão e meio de reais, mas eu ganhei esse prêmio. Eu sirvo de inspiração, até hoje, para muitos gays que querem sair do armário e para pais que me dizem que aceitam os filhos por minha causa”, releva Serginho.
E ele não é o único a ter a caixa de mensagens cheia: Angélica Morango conta que todos os dias, mesmo 11 anos depois, continua recebendo o carinho dos fãs. Para ela, o segredo desse sucesso foi a forma leve como conseguiram se mostrar para o Brasil, como homossexuais, como seres humanos, como amigos.
“Sem que fosse combinado, a gente 'entrou na casa das pessoas' com muita leveza e eu acho que a gente é lembrado por causa disso, as pessoas têm um carinho muito grande. Desde a minha participação no BBB, todos os dias eu recebo e-mail ou mensagem de alguém me agradecendo, dizendo que, por causa da nossa participação, teve coragem de se assumir para família. Acho que o maior prêmio da minha vida foi esse: ter feito uma pequena diferença na vida de tanta gente. É uma sensação de missão da vida cumprida”, declara Morango.
Já Dicesar, que diz ter se mostrado ao Brasil sem máscaras, apenas com as maquiagens da sua drag queen, apresetou ao Brasil seu lado familiar, de amor por seus parentes. Algo que, segundo ele, é lembrando constamente pelos fãs.
“Eu falava muito da minha mãe e das minhas sobrinhas, então, até hoje, vou em algum lugar e alguém fala assim para mim: ‘Meu pai me colocou para fora de casa, mas, pelo jeito que você falava no programa, com tanto amor pela sua mãe, o meu pai entendeu e foi lá me buscar e trazer de volta. Obrigado’. Nós três mostramos que é bom ser LGBTQIA+
e que devemos ser aceitados e respeitados”, lembra o performer.
Com Morango classificada em 11º lugar, Serginho em 7º e Dicesar em 5º, eles puderam aproveitar quase dois meses no BBB juntos e guardam memórias difíceis também, como as provas complicadas pelas quais passaram. Para Dicesar e Serginho, a mais difícil foi mesma prova. Promovida pela Fiat, eles precisavam ficar em garagens recebendo banhos de água quente e fria e depois muito vento.
“Era uma prova de resistência, mas eram várias garagens e a gente não sabia quem ainda estava na prova. Quando é de resistência, saber que tem mais duas ou três pessoas ainda participando dá mais gás, mais ânimo, mas não tinha como saber. E era muito ruim porque ficava muito frio e depois muito quente. Meu corpo inteiro doía. Eu fiquei sete horas em pé e não aguentava mais. Eu não sei como eu não fiquei doente”, relembra Serginho.
Já para Morango, a pior prova envolvia não só água, mas sabão também. “Era uma prova promovida pela Minuano. A gente tinha que se vestir de esponja e ficava recebendo água com o sabão. A minha esponja se desfez, então colocaram em mim a esponja de um outro participante que tinha sido desclassificado, mas ela era muito grande. Então, ficou me assando em várias partes. Foi muito complicado porque eu tenho algumas alergias. A minha pele ficou um lixo, ressecada e muito machucada. Eu fiquei uma semana mal. Nunca mais comprei Minuano na minha vida. Foi o pior merchang do século para mim”, recorda a ex-sister.
Edição colorida com final em preto e branco
Apesar de terem sido as estrelas da edição de 2010, chamando a atenção do público e desfazendo preconceitos, a vitória do BBB 10 não foi para nenhum deles. Marcelo Dourado, que, em várias situações foi homofóbico e grosseiro com os participantes, principalmente com Dicesar, quem chegou a chamar de “viado”, levou o prêmio para casa.
“Eu não tenho um fundamento por trás, para explicar, mas eu acho que já era para ser dele [Dourado], independente de quem entrasse no programa. Eu entrei no no Big Brother errado. Como pode um BBB da diversidade ter como ganhador um suposto homofóbico? E, outra coisa: as pessoas falam que estão abrindo a mente, abrindo a cabeça, mas ainda são preconceituosas”, opina Dicesar.
Tanto Serginho quanto Morango concordam com a questão do machismo e da homofobia em evidência naquele ano, apesar do programa ter se destacado com participantes homossexuais.
"Eu acho que o Dourado se fez muito de coitado porque ele havia sido hostilizado em outra edição do programa. Então, em 2010, ele se fez de vítima, o machão alfa hostilizado, excluído. E as pessoas começaram a simpatizar com ele. Os fãs deles faziam mutirão dia e noite, era algo absurdo, fizeram ele ganhar. Além disso, o Brasil é machista e gosta disso. Naquela época o machismo estava em alta, a história do 'ogrão'. As pessoas gostavam daquela palhaçada dele. Ainda bem que isso já mudou. No Big Brother Brasil 20 o machismo foi exposto e nenhum 'cara' ganhou, mas a maravilhosa Thelminha, negra, empoderada. Inclusive torci muito por ela”, afirma Serginho.
“Tem a ver com o conservadorismo do público e com a estratégia dele [Dourado]. Ele, no começo, tinha uma estratégia de se excluir e se vitimizar. Houve uma construção do arco do herói. A reviravolta, a redenção do ex-participante que consegue uma segunda chance e dar a volta por cima, mas ele foi extremamente homofóbico diversas vezes, ele era escroto. Infelizmente, não tinha a internet como a gente tem hoje, que tem influenciado os resultados de muitos realities”, diz Morango.
Sobre o Big Brother Brasil 21...
Sobre a atual edição do programa, os ex-brothers e a ex-sister fazem críticas. Para os três, não está sendo uma edição divertida, por falta de sintonia entre os participantes, principalmente entre os grupos Camarote e Pipoca.
“Essa edição atual também é histórica, com recordes em dois níveis, na quantidade de participação de pessoas LGB e de pessoas negras. Algo muito importante e necessário, mas parece que eles não têm química entre eles, como a gente teve em 2010. Não tem como saber o que é que vai sair dali. O programa está muito tenso. Eu e muitos amigos até brincamos no Twitter, dizendo que a gente estava esperando alienação e entretenimento, mas que recebemos debates e muita polêmica dentro e fora do programa”, comenta Morango.
“Eu não sei o quanto isso [a participação de famosos] é, realmente, uma ideia bacana ou prejudicial, nem se o BBB quis pegar carona na proposta de A Fazenda. Acho que não precisava", diz. "O Fiuk, por exemplo, fez aulas com mulheres para entender algumas questões sobre feminismo e questões raciais só pra participar do BBB. Não era uma ideia genuína pra ele crescer como pessoa, como ser humano. Eu acho isso o fundo do poço", completa a ex-sister.
Concordando com Morango, Serginho diz que o BBB 21 não está legal e que prefere a edição de 2010. “A edição atual está fraca, acho que está muito 'pesada'. Está tendo muito 'bafo' [confusão] da Karol Conká, Lumena, Fiuk. Não parece um começo de programa saudável. Esse Lucas que está sofrendo terror psicológico da Karol. Eu não gostaria de estar nesta edição do programa. Deus que me livre! Se me convidassem para entrar agora, eu não iria”, afirma Serginho.
E Dicesar, ao comentar o assunto, faz até uma sugestão para o Boninho nas próximas edições, para evitar que o público ache o programa tenso demais. “Esse formato de famosos e anônimos é muito chato! O que é esse Fiuk? Eu o seguia no Instagram, mas no segundo dia eu já parei de seguir. E Karol Conká, menina, eu estou bobo. Também deixei de seguir. Ela é pior que qualquer anônimo, muito chata, que mulher difícil para conviver. Não funciona essa história de famoso. Por que que o Boninho não faz uma edição só com ex-BBB que marcou?”, sugere.