"Negligência à saúde de LGBTs aumenta chances de exposição ao HPV", diz médico
Vírus infecta a pele e a mucosa de quaisquer pessoas por meio do contato íntimo ou sexual. Falta de cuidados e atenção na saúde pode aumentar os riscos de exposição
O Papilomavírus Humano, mais conhecido pela sigla HPV, é um vírus que infecta a pele e as mucosas, sendo transmitido pelo contato íntimo ou sexual. Sem tratamento eficaz comprovado e com chances de surgimento de cânceres nas áreas infectadas, mesmo que em casos raros, o vírus pode se manifestar em pessoas de qualquer gênero e orientação sexual, mas pode afetar mais gravemente pessoas que têm a saúde negligenciada, como é o caso da população LGBTQIA+ .
Um estudo, coordenado pelo Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2014 e publicado na revista científica Plos One,
encontrou altas taxas de infecções por HPV em um grupo de 600 voluntários homossexuais na cidade de Campinas (SP). O estudo revelou que 40% dos entrevistados já haviam sido expostos a pelo menos um dos tipos de HPV que estão mais associados ao surgimento de alguns cânceres.
Apesar do estudo apontar a necessidade de mais ações de prevenção para Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) em homossexuais, de acordo com Vinícius Lacerda, cirurgião do aparelho digestivo, o problema não está na orientação sexual, mas na negligência das autoridades de saúde em relação à comunidade LGBTQIA+.
“O HPV é um vírus de quem faz sexo, porém o que ocorre muitas vezes é que a população LGBTQIA+ é negligenciada, não é feito o rastreio de forma correta, como ocorre com quem pratica sexo anal receptivo [passivo]. Isso é comum também nas mulheres lésbicas
ou bissexuais, que muitas vezes não procuram atendimento médico ou não são examinadas corretamente pelo simples fato de não serem penetradas por um pênis”, afirma Lacerda, que também atua nas redes sociais com orientações (vídeo abaixo).
Uma das situações de exposição ao HPV é o sexo anal passivo. Além disso, as pessoas que convivem com HIV têm mais chances de desenvolver lesões na pele relacionadas ao HPV, mesmo se estiverem em tratamento regular, com anti-retrovirais, e com a carga viral indetectável. O uso de medicamentos para Profilaxia pré-exposição (PrEP) ao HIV também poderia ser uma situação de risco, mas ainda não comprovada.
“Existem alguns estudos preliminares apontando uma maior incidência de HPV nos usuários de PrEP. Uma possível explicação seria a compensação de risco: por estar protegido do HIV, o usuário ter mais relações sexuais desprotegidas ou ter mais parceiros, mas acredito que precisamos de estudos mais aprofundados para chegarmos a essa conclusão”, opina Lacerda.
Para encontrar mais informações sobre o tema, o Ambulatório de Coloproctologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, vai iniciar uma pesquisa para estudar a frequência do HPV no ânus e no canal anal de usuários de PrEP, comparando com não-usuários.
Para o estudo, estão convocados homens cis gays e bissexuais e pessoas trans
que tenham relações sexuais anal passivo com outras pessoas com pênis. Para participar da pesquisa, basta preencher o formulário deste link
.
O que é o HPV e como é transmitido
O Papilomavírus Humano (HPV) é um vírus que infecta a pele e as mucosas, sendo transmitido pelo contato íntimo ou sexual. Existem vários subtipos de HPV e pelo menos 40 deles são transmitidos pelo contato sexual.
“O contato não precisa ser, necessariamente, uma penetração vaginal ou anal sem o preservativo. Sexo oral, masturbação e até mesmo a relação protegida com a camisinha pode transmitir o HPV, pois a base do pênis, saco escrotal e região pubiana ficam expostos também. O sexo lésbico ou entre duas pessoas com vulva também podem transmitir o vírus, bem como a penetração com dedos e acessórios compartilhados”, explica o médico.
O HPV pode dar sinais da infecção em qualquer parte do corpo com pele ou mucosa, mas principalmente na vulva ou colo do útero, pênis, saco escrotal, ânus e canal anal. Depois dessas regiões, também é comum que apareça nos lábios, por toda a cavidade oral e na garganta.
“Na maioria das pessoas o HPV é assintomático, em algumas ele pode se manifestar com verrugas ou condilomas. Em outras pessoas, a minoria, pode se manifestar com lesões em regiões que podem desenvolver câncer relacionado ao HPV: colo de útero, vulva, boca, garganta, pênis, ânus e canal anal”, diz Lacerda.
Procurando ajuda médica
A ajuda médica deve ser buscada assim que surgirem os primeiros sintomas. As pessoas que têm pênis devem procurar um urologista assim que notarem alguma lesão na glande, pênis ou saco escrotal. Já as pessoas que têm vagina devem procurar atendimento com um ginecologista ou médico da família para iniciar os exames que rastreiam o câncer de colo do útero. Para homens gays e outras pessoas que praticam sexo anal de forma passiva, a indicação é fazer um acompanhamento com um médico coloproctologista.
Quando as lesões aparecem na cavidade oral, boca e garganta, o paciente deve procurar um dentista, um otorrinolaringologista ou um cirurgião de cabeça e pescoço. Para outras partes do corpo, a indicação é procurar um dermatologista, que também será capaz de diagnosticar o HPV.
Para detectar o vírus, exames diferentes serão realizados, a depender da parte do corpo: colo do útero, anus ou pênis. “São exames, de certa forma, invasivos, pois avalia-se a parte íntima dos pacientes, mas, no geral, são bastante toleráveis”, pontua Lacerda.
Apesar de não haver tratamento eficaz e comprovado para o HPV, é possível tratar as lesões causadas pelo vírus com pomadas, cauterização química com ácido, cauterização cirúrgica, laser, entre outros.
Segundo o médico, a pessoa que apresenta verrugas de HPV possuem uma maior chance de desenvolver algum câncer relacionado ao HPV no futuro. “As lesões condilomatosas ou verrugas não costumam evoluir para câncer, mas as pessoas possuem essas lesões têm um risco maior de apresentar câncer relacionado ao HPV no futuro. Por isso justifica-se o acompanhamento mais de perto”.
Atualmente, existe vacinação para o HPV, mas que só possui muita eficácia quando aplicada antes das exposições sexuais ou em pessoas com outros fatores de risco. Por esse motivo, ele entra no calendário vacinal, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de meninos dos 11 aos 14 anos, meninas dos 9 aos 14 anos e pessoas que vivem com HIV até os 27 anos completos.
As pessoas de fora desses grupos que quiserem se vacinar, podem buscar o fármaco nas redes de saúde particular, mas a eficácia de quando aplicada antes das exposições não será a mesma.