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"Uma mãe cis carregou o filho por nove meses. Eu vou carregar a vida inteira”, diz Mc Trans sobre seu filho, Nathan Monforte, 24


A cantora Mc Trans, diz que se lembra até hoje da primeira vez que seu filho, Nathan Monforte, a chamou de mãe. No Dia das Mães, ela conta ao iG Queer que se recorda das emoções que vieram naquele momento. “Ouvi-lo dizer isso foi a coisa mais linda do mundo”, diz. Ela se olhou no espelho e sentiu que a  maternidade tinha a feito entender sua alma, que conseguiu colocar para fora a mulher que estava dentro de si.

“Ser mãe é a coisa mais importante da minha vida porque me conectou comigo mesma”, afirma a Mc, colocando essa experiência a frente até mesmo da carreira musical que construiu. O relacionamento dos dois é muito próximo e intenso. Tanto que, mesmo casado, Nathan ainda vive na mesma casa que ela. “Ele disse para o marido dele que se casou com ele e comigo”, diz.

Mesmo que o laço de mãe e filho entre eles seja forte, é também, por muitas vezes, invalidado, consequência do preconceito sofrido por pais e mães LGBTQIA+ . No dicionário, a palavra mãe diz respeito a uma mulher que dá à luz e que cria os filhos. Ser mãe e ser uma mulher trans são conceitos que pertencem a dois universos diferentes, jamais "misturáveis".


Diante de episódios de  transfobia e por muito tempo sem apoio até mesmo de outras mulheres trans , ela passa grande parte da sua vida levantando a bandeira da maternidade trans e lutando com garras e dentes pelo direito de exercer seu papel. “Eu me apaixonei por ser mãe, é a coisa que eu mais gosto na vida”, afirma.

Descobrindo-se mãe

O nome nem a carreira Mc Trans ainda não existia quando ela encontrou Nathan pela primeira vez. O ano era 2007. Ela tinha 19 anos, era conhecida apenas por seu nome, Camilla Victória, e era garota de programa no Rio de Janeiro. Foi quando encontrou Nathan que descobriu seu instinto materno e o adotou. A partir daí, ele se tornou sua maior prioridade.

Se a vida de uma mãe cis já é repleta de barreiras, a de uma mãe trans mãe podem ser ainda maiores. “Naquela década, eu não podia pegar um ônibus porque era hostilizada até a hora de descer. Eu tinha que ter um dinheiro para o táxi para quando precisássemos ir ao hospital, e não era todo taxista que levava. Ter um filho é muito caro”.

O dinheiro contado ia todo para o filho, o que não a permitiu fazer  cirurgias ou procedimentos como aplicação de megahair e implantes de silicone nos glúteos e nos seios naquela época. Isso fez com que ela perdesse apoio por parte das colegas trans. “Esfregavam na cara viagens para a Itália e as plásticas, fui muito humilhada. Diziam: ‘Olha esse peito, olha esse nariz, você não tem silicone. Você é um gay, nunca vai ser uma trans’”, conta. A falta de apoio mesmo dentro da comunidade não a abalou e nem a fez desistir da maternidade.

A fonte pagadora das contas da casa em que moravam e das despesas foram pagas pela prostituição . Com isso, a Mc passou a se preocupar com os julgamentos que Nathan poderia enfrentar no futuro. “Tinha muito medo de que as pessoas soubessem o que eu estava fazendo no bairro e que meu filho crescesse ouvindo ‘comi sua mãe’ ou ‘peguei o traveco’. Então eu mudei minha vida, não me relacionava com homens onde morava e amadureci muito rápido”, diz.

Ao mesmo tempo, a Mc queria que o filho tivesse uma figura paterna. Ela se casou com um homem que ajudou na criação de Nathan. O casamento acabou anos depois, quando o nome artístico Mc Trans e a carreira na música já existiam, por ter sofrido violência doméstica. “Queria que ele tivesse tudo, uma vida completa, e fiz de tudo para dar isso a ele de todas as maneiras”, diz.

Transfobia

Apesar de ser uma pessoa cis, Nathan também sofreu transfobia por ter uma mãe trans, principalmente ao longo da sua vida escolar. A infância e adolescência dele, de acordo com Mc Trans, foram solitárias, sem amigos. As amizades à distância eram mais comuns, mas sempre em pouca quantidade.

Por medo que o filho fosse hostilizado, ela achou que seria melhor se esconder da vida do filho. Ela acreditava que, por Nathan ter uma mãe trans, ele estaria sempre relacionado à ideia de promiscuidade e remeteria à prostituição. Por isso, ela perdia reuniões de escola e eventos escolares, o que não isentava nenhum dos dois de ataques transfóbicos. Mesmo assim, as pessoas descobriram.

“Já aconteceu de ele estar lanchando na escola e ser hostilizado por outros meninos”, conta a cantora, que lembra ter ido atrás da família de um deles para conversar. “Foi mais traumatizante ainda porque os pais deram razão para o filho”. Todos os ataques transfóbicos eram recebidos por Nathan em silêncio, mas o episódio foi contado para a cantora por uma amiga dele.

“Aos 17 anos, ele fazia aulas em uma escola de dança. As mães das meninas não queriam que elas tivessem contato com ele porque elas seriam tachadas como garotas de programa”, lembra. O sentimento de vulgaridade sempre esteve presente no olhar dos outros. “Todo mundo acha que o filho de uma trans só fala sobre sexo em casa, mas desde sempre eu acabei me fechando, criando tabus. Não falava sobre sexo. Tinha medo de influenciar ele de uma maneira errada’”, explica.

Casado há três anos com um homem, ele chegou a namorar meninas quando era adolescente para esconder sua sexualidade, mostrando para a sociedade que poderia ser hétero mesmo tendo uma mãe trans. “Na cabeça das pessoas, o filho de uma trans é uma mini drag que vai andar toda maquiada de peruca e salto por aí”.

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Maternidade renegada

Olhares tortos e risos debochados foram algumas das reações que Mc Trans já recebeu ao dizer para as pessoas que Nathan é seu filho. Para ela, sua maternidade é constantemente duvidada e retirada dela. “Todo mundo pensa que é um garoto que eu banco. Não levam a sério quando digo que é meu filho de verdade, como se eu não pudesse ter um filho”, diz.

Essa reação fez com que os dois vivessem em uma bolha para se protegerem. “As pessoas pensam que, por eu ser trans, tenho que ser promíscua. Eu não posso ser inteligente, não posso ter critério de escolha, me relaciono com qualquer tipo de pessoa e não é verdade”, acrescenta.

Perguntada sobre se existe alguma diferença na criação de uma mãe trans e de uma mãe cis, a Mc responde: “Não muda nada, a única diferença é que se ela carregou o filho por nove meses. Eu vou carregar a vida inteira”, diz.

Mãe coruja

Mc Trans nunca imaginou que viveria tanto a ponto de ver as conquistas do filho. Ela viu Nathan concluir o Ensino Médio, a faculdade de design gráfico, começar a trabalhar e, em abril deste ano, comprar o primeiro carro.

Além disso, Nathan é um dos grandes responsáveis por apoiá-la a seguir a carreira musical. As músicas de Mc Trans são compostas pelos dois. Nathan também é responsável por escrever os roteiros dos videoclipes, ser seu videomaker e cuidar de seus compromissos profissionais. A cantora conta que todo amor e esforço investido em Nathan é motivo de muito orgulho. “O que meu filho se tornou fez tudo valer a pena”, diz.

Se antes ela fazia de tudo para mimar Nathan, hoje ele é quem retribui o carinho. Neste ano, o presente de Dia das Mães de Mc Trans foi um quarto todo rosa, seu sonho quando tinha 19 anos, época em que os dois se encontraram. “Cheguei em casa de viagem e meu quarto estava como o de uma adolescente, com camarim de princesa. Entrei no quarto e ele me disse que realizaria todos os meus sonhos. Nunca imaginei que eu ia ouvir isso”, lembra, emocionada.

“Ser mãe me fez entender que não importava mais a sociedade, os preconceitos, a transfobia. Eu sou mãe e isso é a coisa mais incrível que eu poderia ter vivido”, acrescenta.

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